sábado, 7 de abril de 2018

Melhor Atriz 1968 - Duas Rainhas para uma Coroa


Uma das corridas mais famosas da categoria do Oscar é a de 1968, o único ano que Melhor Atriz resultou em um empate... totalmente inesperado. A vitória divida entre a estreante Barbra Streisand e a, então, atual vencedora Katharine Hepburn é um marco por ser um dos poucos empates registrados em toda a história da Academia. E toda a história por trás dessa corrida é uma delícia, vamos relembrar?

A favorita inicial da corrida era Joanne Woodward em um papel nada convencional no primeiro filme dirigido por Paul Newman, seu marido e um dos maiores astros da história de Hollywood. ''Rachel, Rachel'' pegou muitos de surpresa por ser tão bom, algo que não era costume de atores que se tornavam diretores. Woodward foi uma das duas queridinhas da crítica no ano, vencendo o circuito de ''New York'' e ''Kansas'', além de ser segundo lugar no ''National Society''. Coroando seu status de favorita, a atriz ganhou também o ''Globo de Ouro'' de Melhor Atriz em Drama. Ao mesmo tempo a novata Streisand se via em uma enorme crescente. Seu filme, ''Funny Girl'', era um dos grandes hits do ano, ela estava refazendo o papel que a fez famosa na Broadway e já estava se tornando uma grande cantora para além dos palcos. A corrida estava traçada entre as duas.

Porém, o twist: ''Rachel, Rachel'', mesmo vencendo Melhor Diretor no Globo de Ouro, foi esnobado na categoria no Oscar. Foi O bafo da temporada e Woodward não ficou calada, ela deu várias declarações que ficou abalada e achava injusto o marido ter sido deixado de fora. Essas declarações foram cruciais para que sua campanha fosse prejudicada. Enquanto isso, ''The Lion in Winter'' acabou sendo um dos grandes indicados daquela noite, com a performance dos dois protagonistas elevados aos céus. O mesmo aconteceu com ''Funny Girl''.

Outro baque nas indicações foi a esnobada de Mia Farrow por ''O Bebê de Rosemary''. O filme, mesmo de gênero, prometia uma indicação certa a atriz, mas em uma jogada de estúdio muito crucial, Vanessa Redgrave acabou entrando por ''Isadora''. O filme de Redgrave quase não era elegível pra o ano, passou apenas em Los Angeles e no fim de dezembro, mas com muito marketing incisivo nas pessoas certas, a atriz acabou abocanhando a indicação de Farrow. Só para reiterar como, basicamente, ninguém viu o filme, ''Isadora'' foi elegível e indicado em vários prêmios da crítica em 1969 porque só foi lançado em Nova York e outras cidades no ano seguinte.

A outra indicada da noite foi Patricia Neal, mas sua indicação não era tão surpresa assim. A atriz, vencedora uns anos antes, era uma verdadeira vitoriosa. Neal teve um aneurisma e ficou um mês em coma, tempo suficiente para ela ter que precisar reaprender a falar e andar. Sua indicação por ''The Subject was Roses'' foi vista com grande bravura e ela até deve ter levado uns votos por simpatia.

No dia da cerimônia, Streisand era a favorita, mas muitos ainda acreditavam que a performance dramática de Woodward venceria. Porém, quando Ingrid Bergman abriu aquele envelope...


E ao anunciar a vitória de Streisand e Hepburn, um momento épico foi cravado na história da Academia. Uma pena que Hepburn não estava ali, uma foto das duas seria absurdamente icônico. O que muito se fala sobre esse empate é o fato de que Streisand se tornou votante naquele mesmo ano devido a arranjos internos, mesmo sem ter feito nada no cinema até então. Caso ela não tivesse feito isso, provavelmente o Oscar seria só de Hepburn. Mas o mundo é dos espertos, né mores?


Até hoje é difícil saber porque Hepburn venceu naquela noite, afinal ela tinha acabado de ganhar e não tinha ''buzz'' algum, mas como hoje ''Leão'' é uma de suas performances mais lembradas e aclamadas, pode ser que os votantes tenham pensado um pouco a frente do seu tempo, né verdade?

Abaixo, meu ranking de uma seleção que foi realmente sensacional, sem ninguém abaixo da média:


5º Patricia Neal, The Subject was Roses (A História de Três Estranhos)

Assim como os votantes na época, é muito dificil entender tudo que Patricia Neal sofreu e não sentir um grande amor por ela assistindo a ''The Subject was Roses''. Porém, engana-se quem acha que só sentimentalismo está envolvido aqui, visto que sua performance como uma mulher cansada do casamento que tem é vigorosa e muito bem realizada.

O diretor deixou claro como foi complicado para Neal fazer certas cenas, incluindo um monólogo de quase quatro páginas, mas que ela jamais desistiu e pouco reclamou. Tudo isso é transparecido em uma atuação que consegue calcar angústia e esperança quase que em total balanço. A sua personagem está abatida, mas ela ainda busca um sentido para aquele relacionamento e em vários debates entre ela e o marido (e também o filho), a força de Neal é suficiente para que estejamos do seu lado e sejamos capazes de entender tudo aquilo. É uma mistura muito bem feita de uma atuação teatral, mas que também engloba a linguagem cinematográfica. No final de seu monólogo, eu só conseguia pensar ''lindíssima, falou tudo''.



4º Lugar: Vanessa Redgrave, Isadora (idem)

Para vocês terem noção do nível dessa categoria, a performance de Vanessa poderia, merecidamente, vencer esse ano e eu não acharia ruim. Esse é o poder de Redgrave em cena. A atriz abraça a persona da bailarina por dentro e por fora, em um dos trabalhos corporais mais bonitos que eu já vi um ator fazer.

E isso se reflete na forma ''free spirit'' que Redgrave entende e nos mostra que Duncan era. Ela é uma pessoa totalmente diferente, mas que no fundo busca fins comuns a todos os seres humanos. Quando precisa ser ácida, ela é assassina. Quando precisa ser emotiva, Redgrave quebra nossos corações. E quando Redgrave precisa mostrar porque Isadora foi uma das mais revolucionárias mentes de sua época, ela é sensacional.

A cena que ela fala dos filhos é um destaque para mim, a vulnerabilidade exposta após uma construção tão vigorosa da personagem é brilhante.


3º Joanne Woodward, Rachel, Rachel (idem)

Acho que de todas as indicadas, a atuação de Woodward é a mais diferente das suas concorrentes. A forma como Joanne aborda a personagem é muito mais sútil e econômica do que suas colegas provavelmente o fariam naquela década. É uma performance que começa certa da caracterização e termina incrível pela forma como o roteiro conduz a personagem.

E nesse meio tempo basta um sorriso certo de Joanne para que possamos compreender a complexidade de uma personagem que aparenta ser algo, mas no fundo é alguém muito consciente de seu atual estado emocional. A Rachel de Woodward é, incrivelmente, palatável e compreensível, é uma mulher em uma situação diferente, mas completamente crível. E nisso, a atriz consegue se despir de qualquer tique, mania ou colocação de tipo para interpretar a personagem da forma mais natual e crua possível.

Ah, e quando a personagem, sem muito aviso, precisa ter um rompante dramático.... meus amorxs, Joanne simplesmente destrói.


2º Barbra Streisand, Funny Girl (A Garota Genial)

Vamos deixar algo bem claro: eu AMO esse empate. Assim como a Academia, acho muito difícil decidir uma melhor entre as duas. Ambas possuem filmes e personagens muito incríveis e as performances de ambas são igualmente sensacionais, mas de forma totalmente opostas.

O que Streisand concebe em ''Funny Girl'' é o que as pessoas chamam de ''star turn'', é aquele papel que mostra ao mundo a estrela que você é. E eu duvido muito que qualquer pessoa termine de assistir ao musical e consiga pensar em uma definição melhor para o trabalho de Barbra nele. Para ser Fanny Brice, o papel de uma vida, é preciso muito carisma, presença e vivacidade. A personagem é um combo das mais efusivas qualidades que um ser humano pode ter, e é necessário compreender e expressar isso muito bem desde o conheço. A sagacidade que sai pelos poros de Streisand em cena não somente é cativante, mas também captura toda a essência de Fanny e do filme de William Wyler.

É triste como o grande público ainda coloca sua atuação em detrimento por ser ''cômica'', visto que é justamente seu timing tão perfeito que faz com que sua performance seja tão singular. Streisand comanda todo o longa como se conhecesse o público do outro lado da tela, é uma performance difícil de se fazer quando é seu primeiro filme, mas Barbra acerta todas as notas da personagem, eternizando para sempre uma das, se não a mais, incrível atuação em um filme musical.

E a cena final com, onde ela canta ''My Man'', é a deliciosa cereja nesse belíssimo bolo que é o trabalho de Barbra Streisand no filme. Icônica.



1º Lugar: Katharine Hepburn, The Lion in Winter (O Leão no Inverno)

Se eu pudesse fazer um paralelo entre personagens e performances, eu diria que a Eleanor de ''Leão no Inverno'' representa para Hepburn o equivalente a Margo Channing em ''A Malvada'' para Bette Davis. Ambas são personagens incríveis que sintetizam muito bem a imagem e a forma de atuar que consagrou as duas grandes atrizes americanas de todos os tempos. E se eu estou comparando Hepburn em ''Leão'' com Davis em ''Malvada'', você sabe que o tiro foi certeiro.

A personagem de Hepburn é uma das mais deliciosas a ser indicada ao Oscar. Cada ''delivery'' de falas, cada dar de ombros ou qualquer que seja a captação de imagem feita da Hepburn é um total reflexo de uma atriz que entendeu sua personagem muito além do esperado, ela acaba vivendo cada minuto como se Eleanor não fosse ficção, mas uma incrível realidade. A atriz jamais se deixa abater perante seu companheiro de cena, um excelente Peter O'Toole. E permanece altiva e vivaz por todo o longa mesmo enfrentando muitos trancos e barrancos nessa jornada real

Hepburn é capaz de controlar toda a fúria e ódio que sua personagem apresenta com uma classe que demanda não só talento, mas uma total e imersiva presença de cena. Ela sempre joga seus diálogos com um veneno assassino que atinge diretamente na jugular de quem quer que ouse passar pelo seu caminho. E quando precisa mostrar as incertezas e vulnerabilidades da rainha, ela o faz com a destreza da gênia que sempre foi. É como se todas as qualidades de Hepburn se condensassem em um perfeito e uníssono trabalho que ficará para sempre marcado como uma das maiores performances femininas de todos os tempos. Viva a Rainha! Viva!

Porém, tivemos uma grande esnobada nesse ano. Sabe QUEM?


Liv Ullmann, Skammen (Vergonha)

 Mesmo que eu reafirme o quanto essa seleção é incrível e que, no fim das contas, qualquer vitória seria merecida, é impossível eu não destacar aqui o trabalho de Ullmann em mais uma obra-prima do mestre Bergman.

Ullmann, a outra queridinha da crítica do ano, faz uma mulher que precisa encarar as consequências de um país em guerra. Porém, a personagem não é só uma pessoa sofredora, pelo contrário, é uma mulher com muita fibra capaz de aguentar um marido nada fácil de lidar e que enfrenta uma jornada muito dura durante toda a projeção do longa. A atriz consegue dominar a tela por completo, sendo capaz de lidar com um mix de emoções que vão do desespero ao ódio em uma crescente muito inteligente e capaz de refletir o caos que Eva está sendo lançada ali.

Duas cenas que sintetizam bem o trabalho maravilhoso de Ullmann são as que ela fala sobre ter um filho antes e depois de um fato ocorrido no filme. A forma como ela sente o pesar daquele mundo e como isso lhe afeta tão diretamente é tão poderoso e intuitivo que fica difícil resistir ao trabalho da atriz. Realmente estupendo.

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