quinta-feira, 28 de abril de 2016

REVIEW: Beyoncé - Lemonade



Coesão é a alma de qualquer trabalho e na música isso não é diferente. Todos os grandes álbuns da indústria são coerentes em conceito e execução, sempre abordando temas e trabalho de produção que permeiem o disco do inicio ao fim, qualquer que seja a conexão entre suas faixas. O novo álbum da cantora Beyoncé, ‘’Lemonade’’, não foge da regra e, para quem tinha dúvida, sedimenta a americana como a melhor artista de grande apelo popular do momento.

                O trabalho temático de Beyoncé em um álbum não é novidade. A texana já abordou o amor em diversas formas, como em seu álbum 4 (2011) e explorou ao máximo sua sexualidade em forma de música, em seu primeiro álbum visual, intitulado Beyoncé (2013). Já em Lemonade,  seu sexto trabalho de estúdio,  vemos uma artista que se permitiu ser “espiada” e comentada num dos relacionamentos mais famosos da indústria, o casamento com o rapper Jay-Z. O que se percebe nas doze faixas que compõe o trabalho da cantora é a jornada sobre os estágios do que, aparentemente, foi um momento bastante difícil de seu relacionamento: uma possível traição.

Na primeira faixa do álbum, ‘’Pray You Catch Me’’, vemos o que deve ser o inicio da suspeita do romance extraconjugal de seu marido, onde a cantora começa a expor seus sentimentos.  Em seguida a cantora ‘sobe o tom’, com ‘’Hold Up’’, numa pegada entre o funk e reggae, onde a traição está escancarada e Beyoncé se vê numa situação que aflige a todos, onde a canção diz: ‘’O que é pior, parecer louco ou ciumento?’’. O engraçado é o fato que a faixa segue uma vibe “midtempo”, mesmo falando sobre alguém que está com raiva. 

  

Quando uma canção começa com ‘’Quem p***a você pensa que é? Você não está casado com uma vadia qualquer’’, termina com ‘’Se você tentar essa me**a de novo, você irá perder sua esposa’’ , utilizando o rock de Led Zeppelin como base, a guitarra do sempre ótimo Jack White e vocais, claramente agressivos, você sabe que algo muito forte aconteceu, e isso fica explicito em ‘’Don’t Hurt Yourself’’, um dos destaques do cd.

Qual a primeira fase que você passa após terminar com alguém? Tentar esquecê-la, certo? Em “Sorry”, que não poupa palavrões, atitude no vocal e, as já icônicas frases: ‘’Dedo do meio pra cima, acene pra ele e diga, garoto, tchau’’ e ‘’É melhor ele ligar pra Becky de cabelo bom’’, rola um dos maiores acertos musicais da obra, onde Beyoncé utiliza o trap pra fazer uma canção sobre término e superação do ca***ho. 

Beyoncé tem um grande ego e canta sobre empoderamento feminino desde que surgiu, sendo assim a presença de ‘’6 Inch’’ é esperada e muito bem vinda. A canção é mistura de R&B/Soul/Funk e ainda utiliza dos vocais do cantor The Weeknd para dar a pitada sexy que a música pede. Porém, a utilização de salto alto como forma de empoderar a mulher é algo contestável e controverso, já que pode ser considerado como algo opressor para as mulheres em geral.


 ‘’Daddy Lessons’’ é a meu ver uma das três melhores do álbum simplesmente porque é algo quase inacreditável vindo da rainha do R&B contemporâneo: trata-se de uma música puramente country/americana, em um nível que você chega a imaginar como foi a infância da cantora num Texas, hoje tão distante da imagem que ela transparece. Nesta faixa a cantora expõe o relacionamento com o pai, que organizou toda a sua carreira desde sempre, inclusive até uns anos atrás. Além disso, é perceptível a afinidade da texana com o principal gênero de sua terra natal. Já ‘’Love Drought’’, que talvez tenha a melhor produção de todo o cd, com uma batida que pede pela casa da luz vermelha mais próxima, acaba soando um pouco menos maravilhosa que as demais, mas só um pouco.

                Impossível de julgar separadas, as faixas ‘’Sandcastles’’ e ‘’Forward’’ se complementam ao ponto em que a primeira, uma balada romântica pura e simples, ancorada por vocais que exprimem uma dor absurda, trata da percepção que a relação foi algo importante demais para ambos e que talvez, a separação definitiva fosse uma opção exagerada. Já a segunda, uma curta parceira com James Blake, ouve-se a cantora falando ‘’É hora de ouvir, é hora de lutar’’, o que pode se associar com um momento de conciliação. A situação se vê finalizada em ‘’All Night’’, uma canção que deixa claro que o amor, mesmo que não como antes, ainda persiste e durará por muito tempo, quase como a fase final da história que Beyoncé começou a contar lá na primeira faixa de seu álbum.


                As duas canções mais dissonantes complementam o álbum. ‘’Freedom’’ e ‘’Formation’’, se vê algo que Beyoncé nem sempre cantou: o orgulho de sua negritude e a atenção que a justiça racial até hoje pede. A primeira faixa é quase um hino gospel - claramente a melhor música do cd - onde a cantora clama ‘’Deus me perdoe, eu estive fugindo.... mas me liberte, deixe eu quebrar minhas correntes’’, numa alusão ao que pode ser um total posicionamento a tantas coisas horríveis que ainda acontecem aos afro-americanos no país da ‘’liberdade’’. A faixa conta ainda conta com a participação do rapper Kendrick Lamar, o maior nome da atualidade quando se fala em ativismo racial na música. A última faixa, já famosa, é um hino de empoderamento racial que encerra o álbum de forma efusiva, imperativa e demonstra a que nível Beyoncé chegou enquanto criadora de cultura e arte.

                ‘’Lemonade’’ explora temas, aborda problemas, tem um conceito que reflete a perfeição que já conhecida da artista e uma execução que beira ao brilhantismo. Tanto é que, falar que é o melhor álbum de sua carreira ou do ano, é questão apenas de bom senso. O que a história pode provar é que o álbum será um dos melhores da música contemporânea.