domingo, 30 de maio de 2021

Melhor Atriz 1941 - Que vença a melhor Irmã!

 


É quase impossível falar de Joan Fontaine sem citar a sua irmã Olivia de Havilland. Com menos de dois anos de diferença entre o nascimento das duas, esse também foi o tempo que demorou para Fontaine entrar na indústria após a irmã. Para evitar ainda mais comparações, e aconselhada pela própria Olivia, Joan mudou seu sobrenome para Fontaine. Sempre com uma aparência frágil, Joan acabou se soterrando de papéis brandos que não a acrescentavam em nada, chegou a lançar cinco filmes em um mesmo ano.

Porém, foi se aproveitando dessas mesmas características que ela bateu Vivien Leigh, Susan Hayward e a própria irmã (entre outras!) para o cobiçado debut de Alfred Hitchcock no cinema americano, o clássico ''Rebecca'' (1940). O filme venceu a categoria máxima, mas Fontaine ficou apenas com a indicação. Mesmo após esse sucesso, Hitchock hesitou em escalar a atriz para seu novo filme, ''Suspicion'', o desejo dele era trazer a lendária atriz francesa Michèle Morgan para Hollywood, mas o hype de Fontaine estava alto demais, e ela acabou conseguindo o papel.

Na noite da premiação, poucos meses após o Japão (país que as duas irmãs nasceram) ter bombardeado Pearl Harbor, a atriz preferiu ficar em casa para se precaver. Olivia de Havilland, também indicada naquela noite por ''Hold Back the Dawn'', achou a atitude pavorosa, ligou para a irmã e insistiu que a mesma viesse para a cerimônia. Num ano que o dress code envolvia simplicidade por causa da guerra, Joan chegou num vestidinho preto que chamou bastante atenção. Na hora de sua vitória, ela afirma ter ficado paralisada ao vencer, que achou errado ganhar antes da irmã, que tinha muito mais garra na carreira que ela. Olivia teria gritado ''Nós vencemos!'', mas no discurso não houve qualquer sinal de agradecimento para a irmã da parte de Joan. O relacionamento das duas foi alvo de fofoca até o fim dos dias de ambas, muito se sabe que por décadas elas ainda se falaram, mas após os anos 70, com o falecimento da mãe, elas pouco devem ter se visto. Na história do Oscar, elas permanecem como as únicas irmãs a ganharem a categoria de Melhor Atriz.

É altamente aceito que essa vitória de Fontaine veio como um prêmio de consolação após perder por ''Rebecca'' no ano anterior. A outra ''favorita'' da noite era Bette Davis por seu papel em ''The Little Foxes'', a atriz tinha sido presidente da Academia uns meses antes e fez um bom lobby pela vitória, mas tendo vencido duas vezes bem recente, a atriz saiu sem nada. Aliás, não só ela, o próprio filme teve o recorde da época de mais derrota, nove. As outras indicadas: Greer Garson em ''Blossoms in the Dust'' e Barbara Stanwyck em ''Ball of Fire'', nenhuma das duas teve muita chance, e em um ano bem fechadinho, não existiu uma grande esnobada. A mais próxima disso? Vivien Leigh em ''That Hamilton Woman'' em uma atuação elogiada num filme que conseguiu 4 indicações ao Oscar.

Agora ao que importa, segue o meu ranking:


5º Lugar: Olivia de Havilland, Hold Back the Dawn (''A Porta de Ouro'')

Tendo visto todas as indicações de Mrs. de Havilland, essa é, facilmente, a sua indicação mais fraca. A trama envolve um gigolô romeno tentando um green card para morar no US através de um casamento com uma professora que não faz ideia do golpe. Embora bem intencionada, as limitações do roteiro acabam minando Olivia enquanto atriz.

É um trabalho bem feito, afinal a atriz sempre foi muito profissional, mas mantendo a personagem no escuro por tempo demais e focando bastante no personagem de Charles Boyer, fica dificil para Olivia realmente brilhar. No fim do filme existe um lapso do que poderia ser a atuação de Olivia se tivessem feito outras escolhas para o roteiro, mas ai é tarde demais.


4º Lugar: Greer Garson, Blossoms in the Dust (''Flores do Pó'')

Garson deve ser a atriz mais indicada com menos legado da história da Academia. São sete indicações durante a carreira, com direito a uma vitória, mas pouco se fala da atriz nos dias atuais. Acredito que um dos motivos é o excesso de boas samaritanas feitas pela mulher ao longo da vida. São papéis bem intencionados, com direito a um grande momento, mas que acabam por serem desinteressantes vistos décadas depois. 

Aqui, advogando pelas crianças órfãs não serem marginalizadas pela sociedade, a atriz encarna com muita sobriedade a situação de Edna Gladney. É fácil acreditar que na moral que a personagem possuí através de Garson, mas durante quase toda a projeção, isso nunca se altera. A coloquei acima de Olivia por possuir uma cena no tribunal com muita entrega e verdade sobre o caso como um todo.


3º Lugar: Joan Fontaine, Suspicion (''Suspeita'')

Embora nunca no nível de sua performance anterior, acho de muita injustiça taxar Fontaine como uma má vencedora da categoria. Ela poderia, facilmente, ser a segunda colocada desse ranking, para falar a verdade. 

O mais interessante de Fontaine é que você consegue traçar um paralelo com a performance da irmã. Enquanto Olivia fica presa em uma só ''nuance'' durante todo o filme, Fontaine pode ter uma crescente em sua atuação. Quanto mais a personagem vai desconfiando de tudo, mais a atriz pode se mostrar em pequenos temores. A face de Joan começa a ser um tipo de compasso para o espectador, se ela sente medo, você também sente, se ela duvida, você também. É uma atuação muito bem calculada, executada e, mesmo após anos, ainda causa impacto.


2º Lugar: Barbara Stanwyck, Ball of Fire (''Bola de Fogo'')

Stanwyck é a prova moral que Oscar não mantém ninguém na posteridade, mas sim as escolhas que você faz na carreira. Uma das atrizes mais versáteis da velha Hollywood, aqui ela entrega carisma, alegria e verdade para toda a plateia.

A verdade é que o faz ela se destacar é estar em uma comédia em meio a tantos dramas. Não tem um momento sequer do filme que Stanwyck não esteja se divertindo em cena, é um tipo de presença magnética com a câmera que não se aprende, apenas se nasce. A personagem tem suas questões e enfrente um dilema muito legal no último ato do filme, conferindo ainda mais dimensionalidade para Barbara brincar. É uma atuação tão, fortemente, efusiva que é difícil de se ignorar. Um acerto do inicio ao fim. 

E, no mesmo ano, em uma atuação ainda melhor. Stanwyck entrega mais uma desempenho cômico de altíssimo nível em The Lady Eve. Sensacional, não é mesmo?


1º Lugar: Bette Davis, The Little Foxes (''Pérfida'')

Finalmente tenho a lendária Bette Davis em meu primeiro lugar, já não era sem tempo e com essa atuação era impossível escolher qualquer outra. É quase impossível imaginar que foi Tallulah Bankhead que originou o papel de Regina na Broadway, tamanho é a assimilação entre Davis e a matriarca da família Giddens. Tendo que lidar com um mundo machista, que inclui um marido incompetente, a personagem tem todos os aspectos que fizeram de Davis a lenda que ela é hoje.

Existe uma mistura de sordidez e rancor na forma como Regina é concebida por Davis que é, no mínimo, cativante demais. É muito diferente dos arquétipos de época, é um tipo de construção no detalhe. De uma certa forma existe um ressentimento pela situação que a personagem se encontra no filme, e tudo isso se traduz em Bette a medida que vamos vendo até que ponto ela consegue ir em busca de seus objetivos. E é nisso que temos a cena da escada, onde Bette Davis está, basicamente, imóvel e mesmo assim transmite todo o mundo que percorre a cabeça de Regina naquele momento. É brilhante, como tudo que diz respeito a performance.

PORÉM, se eu fosse fazer um top daquele ano, incluiria também essas atuações:


Joan Crawford, A Woman's Face (''Um Rosto de Mulher'')

Numa das atuações mais reveladoras de Crawford, a atriz resolve fazer uma mulher desfigurada e mergulha numa belíssima espiral de emoções, que acompanham o espectador e fazem o mesmo torcer por ela, mesmo ela tendo desejos dúbios.

É, acima de tudo, uma atuação que difere das mulheres decentes que tanto fincaram a persona de Crawford para o grande público. Mas é a grande gama de facetas (sem intenção de fazer piada) que Anna possuem que ajudam a atriz no caminhar do filme. Raiva, dor, desejo, paixão, tudo passa por Anna e tudo sai de forma sublime por Crawford. É até paradoxo que tenha sido uma mulher diferente dos padrões de beleza que revelou um dos melhores lados de uma das mulheres mais lindas do cinema.


Vivien Leigh, That Hamilton Woman (''Lady Hamilton, a Divina Dama'')

Existe vida (e performances!) para além de Scarlett O'Hara e Blanche DuBois no que toca Mrs. Leigh. Mesmo que o filme não seja um primor do inicio ao fim, a entrega de Leigh é invejável. Ela consegue trabalhar todas as nuances que sua personagem requer. Desde sua primeira cena, maquiada em exaustão!, até os momentos mais românticos do filme, Leigh nunca deixa a peteca cair.

É uma atuação bem a cara daquela década, grande, pomposa e com muita teatralidade. Isso poderia ser algo negativo para atrizes menos versadas e profissionais, mas aos olhos (e mãos, e corpo e tudo mais) de Vivien Leigh, tudo se transforma em um puro deleite cênico. É tão latente a sua força no filme que até mesmo seu marido, o grande Sir Laurence Olivier, some perante ela.

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Emmy - Melhor Atriz Drama 2001: Falco ataca novamente!

 


Com o fim da presença de Julianna Margulies em ER, sua vaga acabou sendo ocupada por Marg Helgenberger pelo estouro que foi a temporada estreante de CSI.

As quatro demais concorrentes foram repetições do ano anterior. As duas mulheres (Lorraine Bracco e Edie Falco) de The Sopranos, a vencedora anterior Sela Ward por Once and Again, e Amy Brenneman por Judging Amy.

As apostas do ano eram divisivas entre as duas mulheres da série da máfia italiana em Nova York, mas existia um status de ''favorita'' e, considerável fator ''overdue'' para Bracco. Especialmente, por ela possuir uma tape muito comentada naquela corrida. O episódio em questão chegou a vencer ''Melhor Roteiro'', mas Falco mais uma vez saiu triunfante contra a colega de elenco. Essa seria a última vez que Bracco iria concorrer como protagonista pela série.

Dentre as esnobadas do ano, via-se um claro preconceito do Emmy com o canal ''The WB'' (hoje chama-se ''CW''. Conhecido por passar programas adolescentes, o canal foi responsável por duas das atuações mais elogiadas a nunca terem sido indicadas ao Emmy naquela década. Entre as duas performances, houveram indicações ao Globo de Ouro, SAG e TCA daquele ano, mas os velhos caquéticos da Academia preferiram ir com escolhas batidas. Após o ranking, cito quem são as duas performances (injustamente) esnobadas dessa corrida.

Meu ranking pessoal:


5º Lugar: Marg Helgenberger - CSI: Crime Scene Investigation (''Justice is Served'')

Até pela natureza de seu programa, seria problemático pedir muito de Marg Helgenberger em ‘’CSI’’. A vencedora prévia do Emmy, em coadjuvante em drama nos anos 90, tem poucos traços de construção dramática pra detetive Catherine Willows, o episódio mesmo focando na morte de uma criança de seis anos de idade que Catherine se apega, não entrega nada do ponto de vista de atuação para a mesma.

Ela divide o episódio com um caso surreal envolvendo sangue e animais, então quando aparece em cena é mais fazendo perguntas científicas ou dizendo umas frases baratas pra um possível suspeito. Ela tem um pequeno brilho no fim da trama, mas nada que justifique uma indicação ao maior prêmio da televisão. Porém, os tempos eram outros e séries como CSI eram consideradas o suprassumo da tv, feliz em saber que não vivemos mais essa era.



4º Lugar: Amy Brenneman - Judging Amy (''The Undertow'')

Minha maior questão com Brenneman é que sua série é a menos interessante dentre as indicadas, mas ao menos ela é, claramente, a protagonista e com muito tempo de tela acaba balanceando muitas coisas que se transformam em pontos positivos. A trama desse episódio é sobre um casal que deseja exorcizar a filha e a relação maternal que a própria protagonista começar a questionar com a sua própria criança.

Sempre presente em cena, evocando um considerável carisma para com o espectador, ela faz o que precisa. Sobe o tom de voz com os pais da menina possuída, mas sabe se mostrar apaixonada pelo jovem professor de karatê. É uma performance bem-feita, mas sem grandes momentos, que vista em 2021 não chama tanta atenção. E acredito que mesmo 20 anos atrás, já não deveria ser muito marcante.


3º Lugar: Sela Ward - Once and Again (''Second Time Around'')

É muito corajoso para Sela Ward submeter um episódio tão sútil quando a finale da segunda temporada de sua série. Lily, sua personagem, está prestes a casar-se novamente e recebe a visita do pai falecido em sonho, nesse interim ela começa a questionar o propósito de seu enlace matrimonial, e o que ela realmente quer nisso tudo.

Volto a repetir que a abordagem que a série, e por consequência Ward, dão a personagem é tão humana que é difícil acreditar que é feita no começo dos anos 2000. Mas tem que parabenizar essa atitude, porque trabalhar o ‘’mínimo’’ é sempre um risco para o ator, pois existe a possibilidade de você mirar nele e acertar no inexpressivo. Porém, isso nunca é uma questão para Sela, que consegue absorver, e, ao mesmo tempo, exteriorizar todos os seus sentimentos dessa forma, em todas situações requeridas. Delicadeza da melhor maneira.


2º Lugar: Lorraine Bracco - The Sopranos (''Employee of the Month'')

Bom, tendo visto a terceira temporada de ‘’Sopranos’’, continuo sem poder afirmar que Melfi ou Carmela sejam protagonistas, mas não dá para negar que elas são em seus episódios submetidos. Esse, em especial, é o grande momento de Bracco na série até aqui. Sua personagem sofre um estupro e ela precisa decidir como seguir com isso em sua vida.

Eu não consigo explicar muito bem a forma como eu vejo a atuação de Bracco durante toda a série, mas nesse episódio em especifico, ela se entrega sem medo. O trauma da personagem consegue se manifestar a medida que também entendemos que a personalidade de Melfi encontra outros pontos pra aceitar tudo isso. E esse registro de Bracco é interessante, visto que ela precisa ir contra muito do que foi estabelecido para a personagem em alguns momentos, especialmente sobre rompantes dramáticos. E, ainda assim, seu ponto mais marcante em todo o episódio ainda é estabelecido pela persona que conhecemos da personagem, uma voz mais contida e uma sobriedade em cena. E assim, na última palavra dita pela personagem (‘’não’’), conseguimos compreender tudo. É uma atuação dolorida, mas forte, muito bem orquestrada pelo roteiro e atuada por Lorraine Bracco.


1º Lugar: Edie Falco - The Sopranos (''Second Opinion'')

O que chama atenção nessa atuação de Falco é a forma quase meditativa com que Carmela vai sendo deixada de lada pelos personagens ao seu redor. Como uma dona de casa é compreensível que Carmela tente ajudar a sua família sempre, mas quando deixada de lado, como ela deveria agir?

Edie Falco encontra uma espécie de vazio que vem num crescente durante todo o episódio, você consegue ver aos pouco a personagem ‘’definhando’’ por causa das ações feita pelo marido e filhos, isso vai se impregnando no rosto, e até, no corpo de Carmela. A forma como Falco reage a um suposto ‘’arranjo’’ entre Tony e Carmela vindo da própria filha por si só já é um assombro. A própria cena final, quase filmada de costas é tão brilhante quanto. Mas nada te prepara para a consulta de Carmela a um psiquiatra, ela precisa ser confrontada sobre suas escolhas e desaba. E, enquanto espectador, você vai junto pela abertura tão real que Falco permite fazer com sua personagem naquele momento.


Dito isso, essas duas atuações deveriam ter sido, obrigatoriamente, indicadas esse ano. São elas:


Sarah Michelle Gellar - Buffy, the Vampire Slayer (''The Body'')

Eu digo, tranquilamente, que o que Gellar entrega nos primeiros 10 minutos de ''The Body'' justificam não só uma indicação, mas uma vitória. Todo o trabalho da atriz durante a estupenda quinta temporada é de se aplaudir, especialmente por ela ser uma atriz tão jovem. Que ela tenha sido reconhecida pelos Globos e pelo TCA já deixa isso claro.

Mas a forma como ela navega por um estado catatônico até a realização do fato ocorrido no episódio é de dilacerar o coração. Sempre focada na expressão facial, sem precisar de muitos diálogos, Sarah entrega uma mistura de vulnerabilidade de forma muito natural. Essa performance não ocorre somente nesse episódio, mas aqui é maximizada e o resultado é brilhante.


Lauren Graham - Gilmore Girls (''Pilot'')

Antes mesmo da primeira temporada de ''Gilmore'' sequer acabar, o SAG já reconheceu o trabalho de Graham. E acredito que não existiria episódio melhor para representar essa atuação, em síntese, do que o primeiro da série.

Você termina ele querendo abraçar e viver com Lorelai Gilmore, tamanho é o carisma e a presença de Graham em cena. E não se engane que tudo é amor, mesmo no piloto existem momentos dramáticos suficientes que demonstram o amor que Lorelai tem por sua filha. E eu acredito, firmemente, que nada disso seria possível sem a generosidade em cena de Graham sua personagem. É uma atuação linda que, infelizmente, nunca foi reconhecida pelo maior prêmio da televisão.

sábado, 1 de maio de 2021

Melhor Atriz 1962 - O Milagre de Anne Bancroft


Eu tinha colocado na minha mente que anos falados em exaustão não seriam minha prioridade nessa corrida. E não existe ano mais falado que esse, certo? Afinal, até em minissérie do Ryan Murphy ele foi comentado. Porém, graças a um amigo que chegou nesse fatídico ano, e também porque é bom falar do que é popular, acabei por realizar a análise do ano.

1962 foi o ano que Tarkovsky lançou seu primeiro filme, o Brasil venceu sua única ''Palma de Ouro'' com O Pagador de Promessas, e a maior lenda de Hollywood morreu: Marilyn Monroe. Naquela época, os precursores se dividam, basicamente, entre o New York Film Critics Circle, o National Board of Review e, claro, o Globo de Ouro. Devido a uma greve da mídia impressa, New York não anunciou vencedores naquele ciclo. Com ''Doce Pássaro da Juventude'' lançado em Março de '62 e o Oscar daquele ano só acontecendo em abril, a corrida de Melhor Atriz começou bem cedo, antes mesmo da cerimônia que premiaria os filmes do ano anterior acontecer.

Geraldine Page, indicada naquele cerimônia por ''Summer and Smoke'', era uma atriz chegando aos 40 anos, mas com apenas dois filmes no currículo, ambos lhe renderam indicações ao Oscar. No mês de Junho, há o lançamento de ''The Music Man'', onde Shirley Jones tem um papel substancial, que explode na bilheteria e se torna um dos três maiores lançamentos do ano. No começo do segundo semestre temos o lançamento de ''The Miracle Worker'', o veículo catapultou Anne Bancroft e Patty Duke as graças da crítica, que as laurearam como as grandes atuações do ano até então.


Como sempre, a grande maioria dos filmes do Oscar eram guardados para o fim do ano. Ai no trimestre final, saíram os filmes de Katharine Hepburn (''Long Day's Journey Into Night'', vencedor de Melhor Atriz em Cannes), Shelley Winters (''The Chapman Report'')Melina Mercouri (''Phaedra'', seu filme posterior ao hit ''Never on Sunday''), Bette Davis/Joan Crawford (''What Ever Happened to Baby Jane?''), Rosalind Russell (''Gypsy'') e Lee Remick (''Days of Wine and Roses''). O National Board of Review foi com Anne Bancroft, que também ganhou todos os outros (poucos) prêmios distribuidos no ano.

Naquela época, o Globo de Ouro indicava, até, dez pessoas em uma categoria. E mesmo assim, Joan Crawford foi esnobada. As vencedoras? Geraldine Page (em Drama, que venceu também por ''Summer and Smoke'') e Rosalind Russell (em Comédia/Musical). No dia das nomeações, essas eram as esperadas a entrar na lista:

- Geraldine Page, se o Globo não costumava acertar a vencedora, a premiada era ao menos indicada;
- Rosalind Russell, ''Gypsy'' acabou se tornando um dos hits do começo de '63 e, na época, o fato dela não cantar nada não veio a público; 
- Anne Bancroft, a mais aclamada performance do ano em um filme mais próximo do que a Academia gostava; 
- Bette Davis e/ou Joan Crawford, pelo sucesso do filme e a narrativa de ''comeback'' de ambas;
- Lee Remick, em uma atuação muito elogiada, assim como seu par, Jack Lemmon;
- Shirley Jones, também em um dos grandes hits do ano e, claro, vencedora recente da Academia.

Page, Bancroft, Davis e Remick entraram, junto de Katharine Hepburn, que foi a única indicação de seu filme. ''Gypsy'' e ''The Music Man'' acabaram fracassando nas categorias principais. E porque não Joan Crawford? Dado que quatro das cinco indicadas eram mulher em estão de não-sobriedade, eu presumo que a performance da mesma foi ofuscada pela expansividade de Davis em cena.

Anne Bancroft recebe o Oscar das mãos de Joan Crawford após uma performance de ''Mãe Coragem''

A gente sabe que Bette Davis muito tentou emplacar a narrativa de ''retorno a forma'', o sucesso do filme e tudo mais para se tornar a primeira mulher com três Oscars. Porém, Miracle, mesmo sem ser um grande hit de bilheteria, emplacou nas categorias nobres como Direção e Roteiro, coisa que nenhum dos outros filmes das indicadas chegou nem perto, ouso até dizer que foi o #6 daquela seleção de Melhor Filme. Bancroft também tinha em seu favor uma personagem absurdamente carismática, uma performance fisicamente muito difícil e, acima de tudo, o etarismo da Academia. 

Se hoje a gente está no quarto ano seguido com atrizes acima dos 40/50 vencendo a categoria, naquela época era muito raro alguém acima dos 30 e pouco ganhar. Na verdade, só Marie Dressler (uma lenda do cinema mudo) e Shirley Booth (em uma performance arrasa quarteirão) tinham conseguido o feito. Davis tinha 55, Bancroft tinha 31. Não deu outra, mesmo sem fazer campanha e sem um grande sucesso de bilheteria, Anne se sagrou vencedora e viria a receber mais quatro indicações em sua carreira. Para Davis, foi seu último grande momento. Sobre a ''suposta'' sujeirada de Crawford para impedir a vitória de Bette? Isso eu deixo para vocês assistirem ''Feud'' e tirarem suas próprias conclusões se aconteceu ou não. 

Abaixo, meu ranking das indicadas:


5º Lugar: Lee Remick, Days of Wine and Roses (''Vício Maldito'')

Embora ameace ser uma quase coadjuvante em seu longa, não dá para tirar de Lee Remick a força que ela consegue imprimir em sua atuação, sem nunca ceder a ficar nas sombras de Jack Lemmon. Interpretar uma pessoa alcoolizada não é tarefa fácil, pode sair algo caricatural muito facilmente (Vejam ‘’A Tara Maldita’’ para perceberem), e criar verdade em diálogos tão potentes como o que Lee faz na reta final de seu filme é ainda mais complicado. 

Sua personagem tem fases e nuances, e a atriz está sempre entregando isso com maestria. Tanto que em sua última cena, o espectador tende a torcer muito por ela, dado os vínculos criados até então. Seu último lugar é mais pelo nível da concorrência do que qualquer outra coisa.


4º Lugar: Geraldine Page, Sweet Bird of Youth (''Doce Pássaro da Juventude'') 

Apenas um ano antes, em ‘’Summer and Smoke’’, Geraldine Page fazia uma mulher bastante retraída e introvertida. Aqui, Alexandra Del Lago é totalmente o oposto, é grande, altiva e tem uma língua ferrenha. Ambas personagens são da mente de Tennessee Williams, e as duas são defendidas com fervor por Page. Em ‘’Pássaro’’, Geraldine entrega algo que foge da persona que ela entregou ao longo dos anos na telona (e na telinha). Cada momento de Page em cena é chamativo, ela não precisa levantar o tom, cada palavra é utilizada de forma muito efetivo. E toda vez que ela está em cena com Paul Newman, é um prazer tremendo assistir.

E as suas últimas cenas, em especial a que ela coloca Chance em ‘’seu devido lugar’’, mostram a compreensão dessa loba, não ainda abatida, que habita dentro de Alexandra,, tudo isso expressado através da genialidade de Page. Um 4º lugar de muito respeito.

P.S.: Muita gente não sabe, mas Page também concorreu ao Tony Award por esse papel, e perdeu também para Bancroft fazendo The Miracle Worker.


3º Lugar: Anne Bancroft, The Miracle Worker (''O Milagre de Anne Sullivan'')

O que Bancroft ganha muito nessa seleção é que, sem dúvidas, a sua personagem é que mais se conecta ao público. Ela consegue combinar sua rigidez enquanto uma professora severa com um sentimento verdadeiro de querer uma mudança para a vida dessa menina, que está em uma situação tão difícil, e o sentimento transparece em ambas as situações. É muito real a forma como Bancroft consegue confrontar aquela situação tão complicada, a medida que questiona seus próprios medos e limitações. 

Os olhares para a jovem Hellen Keller são sempre pertinentes, e quando Sullivan consegue progredir em seu ensino, a gente vibra com ela. É uma atuação que precisa de muito mais carisma e ‘’star quality’’ do que, normalmente, citam. Fora, claro, a fisicalidade precisa para realizar diversas cenas ali. Tudo isso, Anne Bancroft tem para dar e vender. Se sua vitória é tão falada por ter derrotado o auge de duas gigantes do cinema, não existe qualquer demérito em sua atuação se avaliada de forma isolada. Pelo contrário, teria sido irretocável em dezenas de outras ocasiões.


2º Lugar: Bette Davis, What Ever Happened to Baby Jane? (''O Que Terá Acontecido A Baby Jane?'')

Tendo visto que coloquei Davis em ‘’A Malvada’’ também em #2 na seleção de 1950, vocês devem achar que odeio Bette Davis. Ledo engano, assim como naquele ano, esse #2 aqui é, basicamente, um 1º lugar. Não é possível assistir ‘’Baby Jane’’ sem ficar embasbacado pela complexidade que Davis entrega a personagem. É uma atuação que reside totalmente no ''over the top'', no extremo, é 100% caricata e, ainda assim, totalmente crível. 

É como se víssemos o psicológico de  Jane transferido para o corpo de Davis. E ainda assim, são nos momentos ‘’menores’’, como as vezes que Jane está sozinha e relembra seus momentos de glória, que Bette entrega as partes mais inspirados de sua performance. Você não aceita as ações de Jane para com Blanche, mas você entende o que a levou até ali. É uma feição, um olhar machucado e solitário. E não existe local mais triste para se viver do que nessas emoções. 

Bette Davis é uma lenda, e ‘’Baby Jane’’ é a prova disso.


1º Lugar: Katharine Hepburn, Long Day Journey’s Into Night (''Longa Jornada Noite Adentro'')

Seria impossível não ter Hepburn no topo da lista, o que ela faz com Mary Tyrone durante todo o longa de Lumet é, para mim, de um brilhantismo intocável. De cara, você percebe o estado quase catatônico que Mary vive. E mesmo assim, a cada novo retorno da câmera a seu rosto, ela consegue ser uma presença imponente. Durante as muitas horas de duração, você embarca numa montanha russa de emoções junto da atriz, que disseca todos os problemas que essa mulher enfrentou e, ainda, enfrenta em sua vida tão conturbada. 

O rosto de Hepburn é uma moldura, uma entrada para as questões de Mary, é o semblante do efeito das drogas na personagem. É quase em estado de transe da atriz, que vai levando o espectador a algo hipnótico ali. Hepburn fica em cena por muito tempo, quando ela sai (por um bom tempo), você sente a sua falta. Só que, obviamente, há um ‘’grand finale’’. Daqueles que poucas atrizes tiveram, e você não tem dúvida alguma do poder cênico de Katharine para com aquela personagem durante toda essa jornada. Brava!

Porém, existem duas atuações daquele ano que mereciam entrar, são elas:


Harriet Andersson, Såsom i en spegel (''Através de um Espelho'')

Só para não falar que estou muito fora da caixinha, ''Espelho'' venceu Filme Internacional e foi indicado em Roteiro. Óbvio que naquela época era muito difícil uma indicação por língua não-inglesa, mas Loren tinha acabado de vencer.

Dizer que Andersson é uma excelente atriz é chover no molhado, todas da trupe de Bergman eram. Porém, em ''Espelho'', ela emula uma fragilidade mental como poucas vezes eu vi no cinema. Existe uma situação de medo, desespero e claustrofobia criado a partir da ambientação e roteiro do Bergman, mas nada disso se sustentaria se não fosse as feições de Harriet em cena. É muito marcante como ela entrega essas sensações de forma quase crua, é grande sem precisar ser. É um excelente registro de atuação não tão recorrente na época, mas que muitos tentam até hoje se igualar.


Melina Mercouri, Phaedra (''Profanação'')

Uns dois anos antes, Melina fez história ao ser o primeiro ator indicado por um filme internacional em uma performance não de língua inglesa. Esse filme era ''Nunca aos Domingos'', de seu marido Jules Dassin. ''Phaedra'' é o primeiro filme após esse grande hit, uma adaptação moderna da tragédia grega de ''Hipólito''. Na época, ela chegou a ter indicações ao Globo de Ouro e ao BAFTA, mas o filme não foi bem aceito como um todo e acabou ficando por aí. Considero injusto, visto que sua atuação é um deleite.

Existe uma mudança drástica no tom de tragédia para puro melodrama, mas Melina é magnética em cena, fica muito claro que a câmera de Dassin a ama, e ela tira muito proveito disso. Ela emana presença em cena, com um poder derivado de sua personagem. Mas não demora para Mercouri se permitir cair e sofrer. E ela faz isso de forma grande, sem receio, é muito gostoso de ver. Sua Fedra nunca diminui a postura, mesmo sofrendo, a altivez da personagem é traduzida por Melina. E isso vai até o fim, em uma atuação marcante o suficiente para poder ter chegado ao Oscar.