sexta-feira, 3 de abril de 2020

As plumas, polainas e paetês de Dua Lipa


Existe um ditado muito popular que diz que ‘’o pop está morto’’. Essa afirmativa não é de toda errada, o gênero musical mais ‘’pop-ular’’ de todos se viu em considerável declínio nos últimos anos, devido a suas principais interpretes entrarem em uma espiral de fracassos ou mudanças de gênero. De Beyoncé a Kylie Minogue, passando por Christina Aguilera e até Madonna, todas se viram em momentos de mudança, por vontade própria ou não, e acabaram mergulhando em outros mares para se manter no auge, algumas com êxito, outras nem tanto. Dentre as grandes artistas, vale ressaltar que Taylor Swift foi uma das poucas que se ateve, puramente, ao gênero, mas entregando trabalhos tão fracos como, por exemplo, ‘’Reputation’’ (2017), fica difícil torcer pela cantora.
Eis que surge Dua Lipa, inglesa de pouco mais de 20 anos, ainda em 2017 com um álbum debut totalmente voltado ao pop. Seu nome cresceu aos poucos, obteve um dos maiores hits do ano com ‘’New Rules’’ e emplacou, posteriormente, hits com artistas de grande nome nas pistas de dança como Martin Garrix, Calvin Harris e Diplo. Para coroar tudo isso, em seu auge no Grammy 2019, venceu o prêmio de ‘’Artista Revelação’’.
O que ninguém esperava é que essa mesma mulher entregaria a mais preciosa joia do gênero em anos num começo de ano tão conturbado como 2020. ‘’Future Nostalgia’’ é o exemplo mais notório do que um álbum pop, com pitadas de dance/euro/disco, representa para o grande público.
O álbum possui excelentes produtores, mas é preciso destacar que a presença do sempre ótimo Stuart Price é uma peça fundamental para a integridade e coesão do disco, especialmente por torná-lo tão, essencialmente, pop. Price foi o principal produtor de ‘’Confessions on a Dancefloor’’, ‘’Aphrodite’’ e ‘’Night Work’’, grandes projetos de, respectivamente, Madonna, Kylie Minogue e Scissor Sisters. A fortíssima influência do ‘’europop’’, gênero que tem seu nascimento com o ABBA, no novo álbum de Dua Lipa é o que faz o mesmo ser tão especial mesmo em 2020.
O gênero absorve muito dos anos 70 e, especialmente, dos anos 80, berço do nascimento da música pop. Recentemente, tivemos o ‘’E-MO-TION’’ (2015) de Carly Rae Jepsen, e anteriormente ‘’Love.Angel.Music.Baby’’ (2004), debut solo da cantora Gwen Stefani e um dos mais influentes álbuns do gênero nesse século. Não por acaso, Lipa cita Stefani como uma das principais inspirações do álbum. Madonna também é citada como inspiração e não choca, canções como ‘’Don’t Start Now’’ caberiam perfeitamente em álbum de Madonna mesmo nos dias de hoje.
Dua, que assina todas as canções como compositora, dialoga aqui sobre o que podemos esperar de uma jovem em sua idade: amor, sexo e relacionamento, e tudo que vem junto disso. Nem tudo são flores em teu tratamento lírico do assunto e a mesma chega a falar ‘’If you're offended by this song, you're clearly doing something wrong’’, algo muito literal e não-imaginativo para um produto do nível que ela entrega. Porém, um mero detalhe dentro de uma seara de ótimas rimas e metáforas.
A cantora sempre apostou, e acredito ser inerente a mesma, em uma imagem ‘’blasé’’ em seus videoclipes, apresentações e projeção da própria imagem. Aqui isso acaba se transparecendo até mesmo em suas canções, com exceção de ‘’Physical’’, que é extremamente agitada, as demais produções parecem soar até meio ''lounge'', mas sem nunca perder a percepção do que é ouvir uma canção pop na balada. Nisso se destacam ‘’Hallucinate’’ e ‘’Levitating’’, faixas que deixam claro a essência de Dua enquanto artista.
Porém, eu poderia falar das onze faixas apresentadas pela cantora, todas excelentes no fim das contas. Só que sim, será essa essência que permitiu que em pleno 2020 a cantora tenha se afirmado tão forte em não preferir seguir qualquer ‘’moda musical’’, mas sim se expressar com o que realmente gosta que deverá ser o fio condutor de uma carreira cada vez mais criativa, cativante e exuberante, como vem sendo a artista Dua Lipa nesses últimos anos, um dos melhores sopros de ar fresco que a música pop poderia ter recebido.