sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Uma noite no Teatro (2017)


Quem me conhece sabe que eu sempre tive um misto de ser relapso com falta de produções que realmente me chamassem atenção no âmbito do teatro, felizmente isso mudou significantemente no ano de 2017 e consegui ver um total de 17 produções dentre nacionais, internacionais, drama, comédia, musical, monólogos e assim vai. Foi uma experiência muito incrível que me abriu ainda mais os olhos para um tipo de arte que vem se tornando cada vez menos, infelizmente, difundida entre as pessoas. Se tem um objetivo que eu quero levar pra 2018 é justamente ver ainda mais produções teatrais dos mais variados tipos, pois, ao apagar das luzes de um teatro, um novo mundo surge perante os seus olhos e a sensação... ela é indescritível. Tendo isso em mente, esse é meu top 5 de experiências teatrais do ano:


5. Harry Potter and the Cursed Child (Peça, Original, 2016, Londres)

Qualquer pessoa que tenha lido o texto erroneamente lançado como ''livro'' da peça sabe que existem muitas decisões erradas na trama, que incluem um twist difícil de engolir e a utilização de viagem no tempo como mote principal da mesma, mas essas mesmas pessoas leram esse livro porque, de alguma forma, elas tem alguma conexão com o mundo de Harry Potter e poder ver isso no palco é algo que puxa toda a sua infância/adolescência da melhor forma. Poder ver num futuro não tão distante não só Harry, Rony e Hermione, mas seus filhos em mais uma aventura no mundo bruxo me fisgou tão rapidamente quanto eu odiei quando li o ''livro''. É uma experiência visual muito bem trabalhada cheia de ''easter eggs'' e onde você sente o preço, nada barato, pago para poder ver a produção. O que acaba sendo engraçado é que os grandes momentos da peça, assim como da saga, são os que sempre envolvem dois ou três personagens sem grandes piruetas por trás, apenas exercendo essa coisa linda de amor e amizade tão pregada pelo mundo mágico que foi o que nos cativou lá no primeiro livro, e nisso, o elenco é formado por pessoas maravilhosas onde cada ator encaixa como uma luva em seus personagens (amém Anthony Boyle) e faz tudo isso vir a tona da forma mais mágica possível.



4. Avelha (Peça, Original, 2017, Maceió)

O que dá na cabeça de um ator em se prestar a ficar sozinho em um palco durante um tempo enorme contando uma história sem ajuda de mais ninguém? Era sempre o que me vinha a mente quando alguém falava em um ''monólogo'', mas ao assistir a atriz Ivana Iza em cena nessa simples, mas intensa história sobre vida, memória e afeto, tive certeza que não só é algo muito corajoso, mas essencial para a experiência do artista, e também da plateia. Em pouco mais de sessenta minutos, o público é deixado convivendo com alguém que fala com samambaias e é fissurada em brigadeiros, ou na dúvida se come eles, e é tempo mais que suficiente para repensarmos um pouco do que achamos sobre a velhice, ou pior, o que esperamos da mesma para nós, e tudo aquilo que deixamos para trás até então.


3. Tom na Fazenda (Peça, Primeira montagem brasileira, 2017, Rio de Janeiro)

Tendo visto o filme dirigido por Xavier Dolan uns anos antes, eu achava que não seria capaz de me surpreender com essa adaptação da peça canadense de Michael Marc Bouchard, mas que engano eu cometi. A montagem, intimista e forte, tem como cenário apenas algumas lonas e baldes, mas é o suficiente para te tragar em uma história que envolve dor, raiva, romance e um terror no ponto certo para você terminar a sessão aplaudindo de pé com a maior felicidade do mundo. O texto é de um primor absurdo, mas o teatro é a casa do ator e os 3 atores que ficam mais em cena, existe uma quarta atriz, mas ela fica pouco tempo no palco mesmo sendo ótima, estão nada menos que viscerais em seus papéis, entregues de corpo, um corpo muito sujo, diga-se, e alma, e eles exalam a alma em cada novo momento apresentado no palco. Porém, não destacar o trabalho de Kelzy Ecard como a mãe do jovem morto seria um erro crucial visto que sua presença é daquelas coisas inenarráveis, sempre indo a fundo na dor e mágoa que circula a todos nesse momento tão triste que é a morte, e as memórias que levamos, de um ente querido.


2. Dreamgirls (Musical, Original, 2016, Londres)

Não existe gênero em arte que me chame mais atenção que o musical, pode ser na telona, na telinha ou no palco, a capacidade de conseguir desenvolver tramas, personagens, enfim, de contar uma história através de músicas, algo tão universal, é algo que eu sempre irei venerar e, quando possível, conferir. Imagina o quão imensurável foi o prazer de ver como primeiro musical no teatro uma produção luxuosa do nível dessa primeira montagem de Dreamgirls em Londres? Pois é, não tem como por em palavras, mas vou tentar o meu melhor. A direção do Casey Nicholaw (The Book of Mormon, Aladdin) é primorosa, mas de grande proporção, cada luz no lugar certo, cada cabelo e roupa cheia de paetê revivendo aquela era de décadas atrás, não tem o que se criticar em valores de produção aqui. O musical tem um ritmo incrível, ele nunca cessa em emoções e nada disso seria possível sem a presença aterradora de Amber Riley. Quem conhece essa mulher de Glee, jamais seria capaz de esperar o que ela entrega como Effie White em nível de atuação, comicidade e canto... como ela canta! A sua rendição de ''And I Am Telling You'' fecha o primeiro ato do musical e, literalmente, trás o teatro abaixo, é assustador, poderoso e, totalmente, emocionante, assim como a produção em si.


1. Angels in America (Peça, Remontagem, 2017, Londres)

Se eu tinha qualquer dúvida que sorte é algo existente, depois de ter marcado a viagem para Londres e terem anunciado que uma remontagem da peça que mais amo em toda a vida estaria em cartaz exatamente na mesma época, eu não tenho mais nenhum resquício de que em momentos da vida a sorte é uma cartada real. E além de sorte, eu senti muita gratidão. Gratidão por poder presenciar por quase 8 horas em um dia o texto que é a própria definição de obra-prima teatral liderada por atores com A maiúsculo e uma direção tão brilhante que ofendia tamanha a genialidade. ''Angels in America'' é um dos textos definitivos do teatro americano moderno, provavelmente o mais importante das últimas 3 ou 4 décadas e pelo assunto (gays, anos 80, AIDS, Reagan) e tempo de duração (são duas partes de quase 4 horas cada) é difícil de ser reproduzida nos dias de hoje, tanto que é a primeira remontagem em mais de 20 anos após a estreia da produção original. A direção da incrível Marianne Eliott entrega cada momento pulsante da peça do lendário Tony Kushner como um soco no nosso estômago e nesse longo, mas no fim das contas curto, tempo que passamos com Prior, Louis, Harper e os demais personagens, vemos um momento tão crucial da vida da comunidade LGBTQ+ e como isso afeta a mesma até hoje, é incrivelmente poderoso e cada luz neon empregada no palco tem uma força muito singular para ajudar a contar aquela história. E falando nisso, o que dizer de um elenco que tem Nathan Lane e ele não é o melhor em cena? Não se enganem, Lane está não menos que excelente, mas é Denise Gough e Andrew Garfield que roubam o show, dilaceram seu coração e te deixam sem palavras ao fim de seus momentos na peça. Garfield, em especial, foi a grande atuação teatral que vi no ano, redefinindo totalmente o Prior que conhecemos e habitando o personagem do inicio ao fim. Aliás, não é a grande atuação que vi no ano, é uma das grandes atuações da vida. E isso se equivale a produção da peça como um todo, que marcou meu último dia em Londres, peguei meu trem com o coração apertado, pensativo e sabendo que tinha vivido não só uma noite, mas um dia todo, totalmente inesquecível nesse ambiente tão único que é o teatro.