terça-feira, 19 de janeiro de 2016

REVIEW: Carol - Um espelho que tem muitas faces


O primeiro filme de Todd Haynes foi lançado em 1991 e após mais de duas décadas o diretor tem, somente, seis filmes em seu currículo. É intrigante pensar que alguém demore tanto para a realização de suas obras, mas basta ver um de seus filmes que logo se percebe o porque de sua seletividade. Cada um é uma obra de arte única e totalmente intrínseca a tudo que o diretor sempre quis debater em seu cinema, e devido a essa singularidade que seu mais novo projeto, Carol (idem, 2015), não me deixou nenhum pouco espantado quando percebi que era o grande filme do ano.

Em resumo o longa trata do relacionamento que surge entre a experiente e rica Carol (Cate Blanchett) e a jovem vendedora de loja de departamento Therese (Rooney Mara), isso nos anos 50. O diretor já tinha trabalhado a década anteriormente no magnífico Longe do Paraíso (Far from Heaven, 2002), onde também evocava o tema de ''amor proibido'' que é o que distingue muito do que separa ''Carol'' de qualquer filme ambientado na década de ouro de Hollywood. E assim como ''Longe'', o diretor estabelece que toda a atmosfera apresentada te transporte para os filmes de diretores como Douglas Sirk (ídolo pessoal de Haynes) utilizando de uma fotografia mais opaca com penumbra e névoa, figurinos da mais pura classe feitos pela maravilhosa Sandy Powell, até chegar no que é quase um personagem por si só: a trilha de Carter Burwell, que evoca todos os sentimentos possíveis em todas as pontuações espetaculares a qual ela sempre é usada.

O ponto de vista de Therese quanto a Carol dá a entender que ela é muito cheia de si, alguém experiente e que sabe o que quer e como ela quer, enquanto que a própria Therese aparenta ser mais introspectiva, reservada e que pode se deixar deslumbrar por pouco. Porém, é um engano achar que o filme irá contar a história de forma tão rasa e unidimensional. O roteiro (brilhantemente escrito por Phyllis Nagy) logo estabelece uma crescente a medida que Carol e Therese vão se aproximando uma do mundo da outra, da mente da outra, do coração da outra e quando o espectador menos espera, ainda ali no meio da projeção, já está tragado para um dos relacionamentos mais interessantes que você verá no cinema em muito tempo.



O clima soturno do filme pode deixar a impressão de ser frio, artificial, enfim, tudo que ele não é. Tudo está ali: o amor, a paixão, o querer, o fogo e o que mais existe em uma relação, mas nem tudo que você quer, você automaticamente pode ter e nessa redoma do ''não posso tocar'' o diretor, em um toque de mestre, fica apaixonado por filmar suas atrizes através de vidros (dos mais variados possíveis) numa tradução de imagem que pode ser interpretada desde proteção até ilusão. Afinal, o quão tangível esse caso realmente é para elas? E para o espectador? É algo difícil de responder.

Para que todo esse jogo realmente se complete o diretor precisaria de um elenco de confiança, e se os coadjuvantes (como os ótimos Sarah Paulson e Kyle Chandler) estão todos muito bem, as duas atrizes principais estão estupendas em seus papéis. Cate Blanchett, vencedora de dois Oscars, começa o filme em uma performance que flerta entre o autoindulgente e o vaidoso, mas é só o roteiro cair pra o ponto de vista de sua personagem que vemos logo uma mudança de tom por alguém que realmente precisa por um sorriso de canto para viver todos os dias, e se existe alguma dúvida da força de Blanchett no filme, a sua cena final com o marido é o que nós chamamos de ''master class'' da atuação, uma atriz divina em seu auge cinematográfico.

Já a atriz Rooney Mara sempre foi meio apática, mas inteligente como poucas de sua geração sempre soube escolher os melhores projetos com pessoas que sabem tirar o melhor dela, em Carol ela é uma revelação. Sempre com cuidados para demonstrar o desabrochar de Therese, a atriz utiliza dos mais mínimos trejeitos como uma lágrima em um trem ou um sorriso de canto ao entregar um presente de natal para firmar uma construção de personagem linda, e quando chegamos ao fim do ciclo de Therese no filme chega a ser gritante a forma como Mara soube desenvolver tudo que precisava para torná-la uma ''mulher'', palmas para a atriz, muitas palmas.


Após o fim do longa e um bom tempo para aceitar tudo que foi exposto em tela fica a percepção de um filme com um diretor em plenitude do que sabe fazer melhor, daquele mestre que já se aperfeiçoou em oficio e, nesse caso, sabe usar a câmera para contar uma história como poucos são capazes nos dias atuais. O caso de Haynes é ainda mais único porque seus contos, como dito previamente, são sempre tão lindos, e por muito melancólicos, que faz parecer com que cada frame da tela seja um quadro que se completa nessa obra de arte do cinema que é Carol.

Uma sequência (pequeno spoiler, mas que tem no trailer): A cena de sexo entre as duas que é um desbunde de tão linda no que tange direção, entrega de atrizes e uma trilha sonora belíssima. 

Cotação: