sábado, 31 de março de 2018

Melhor Atriz 1967 - Um Luto feito de Ouro


Em 1967 parecia que a corrida tinha um caminho certo: a vitória de Dame Edith Evans. A senhora britânica, indicada duas vezes na mesma década em coadjuvante, virou a sensação da crítica por sua performance em ''The Whisperers''. Evans começou a jornada pela vitória com o prêmio de Melhor Atriz em Berlim, lá pelo meio do ano. A atriz venceu os mais importantes prêmios da crítica até então (New York e o National Board Review) e foi uma segunda colocada muito próxima de Bibi Andersson em ''Persona'' no também prestigioso ''National Society''. No Globo de Ouro e no, não tão importante (naquela época), BAFTA também tivemos Evans se sagrando vencedora.

Porém, na noite do Oscar a atriz, até então a mais velha indicada na categoria, viu sua vitória voar para as mãos de ninguém menos que Katharine Hepburn. A pergunta é, porque? Bem, infelizmente, o filme de Evans era menos ''comercial'' do que o esperado, fazendo com que ela fosse a única indicação do mesmo. Dessa forma, sem qualquer suporte de mais ''branchs'' da Academia, a britânica acabou sucumbida pelos pontos fortes que favoreciam a vencedora da noite.

Para os que não sabem, Hepburn e Spencer Tracy formaram, mesmo que informalmente, um dos casais mais famosos da história de Hollywood. Os dois fizeram quase 10 filmes juntos e ''Adivinhe Quem Vem para o Jantar'', o filme que indicou ambos naquele ano, foi justamente o último. Tracy morreu apenas duas semanas após a finalização das filmagens e, quando lançado, o filme acabou gerando um grande furor por isso. Não só ''Jantar'' tratava sobre um tema tão tópico de sua época (casamento inter-racial), mas Tracy era uma das figuras mais amadas da indústria. Um exemplo disso, é que ele é um dos dois únicos atores a vencer Oscars seguidos (o outro é Tom Hanks), e até por isso, os votos de ''simpatia'' não foram para ele, visto que não era como se existisse alguma divida para com o ator.

Porém, a oportunidade de premiar sua grande amada em um filme tão abraçado pela Academia no último projeto deles juntos (que Hepburn afirmou jamais ter sido capaz de assistir) e 34 anos após a única vitória de uma das maiores atrizes vivas? Foi uma saída muito fácil, sentimental - e errada, mas é bem o que deve ter ocorrido naquela fatídica corrida.

As demais indicadas não tinham qualquer chance: Anne Bancroft por ''The Graduate'' deve ter um dos personagens mais icônicos do cinema, mas tinha vencido pouco tempo antes e houve muitos burburinhos que nem protagonista ela era. Audrey Hepburn por ''Wait Until Dark'' também não teve apoio na recepção de seu filme e alguns achavam que ela deveria ter sido indicada por ''Two for the Road'', uma comédia também lançada em 1967. E Faye Dunaway por ''Bonnie and Clyde'' foi um belíssimo quinto lugar visto que era basicamente seu primeiro ano na indústria e o filme, hoje um clássico, foi bem controverso na época.

Dentre as esnobadas, foi bem comentado o fato de que Julie Andrews ficou de fora por sua performance em Thoroughly Modern Millie. Um filme que fez muito dinheiro, recebeu muitas indicações ao Oscar e ocorreu poucos anos após Andrews fazer a dobradinha ''Mary Poppins'' e ''The Sound of Music''. Porém, até pela idade de Andrews, a Academia preferiu brecá-la de uma nova indicação tão rapidamente.

Abaixo, meu ranking:


5º Lugar: Katharine Hepburn, Guess Who's Coming for Dinner (Adivinhe Quem Vem para Jantar)

O maior problema com Hepburn aqui é o seguinte: nem protagonista do filme essa amada é. Uma vitória em coadjuvante seria belíssima, mas é claro que Hepburn só está indicada em protagonista porque atrizes do status dela jamais se submeteriam a ser indicada como coadjuvante, simples assim.

Isso de lado, a atuação de Katharine é bem bonita, centrada e ela consegue ser muito fiel não só a sua personagem, mas a ambientação que o filme se propõe. Você consegue, até facilmente, absorver a mentalidade da personagem e ficar feliz quando ela solta ''get permanently lost'' em meados do filme. Porém, simplesmente não é uma atuação para se vencer um Oscar.


4º Lugar: Faye Dunaway, Bonnie & Clyde (idem)

Um dos filmes mais icônicos e relevantes de sua época, ''Bonnie & Clyde'' conta a história do famoso casal fora da lei que fez seu nome virar um símbolo de ''revolta''. Dunaway estreia nas telonas incorporando muito bem Bonnie Parker. Dunaway tem a destreza, o appeal e o total discernimento para entender por completo toda a mente da personagem, e o faz com aquele jeitinho que ela demonstraria no futuro ser só dela. Nós sentimos por Bonnie e isso é resultado da construção tão real que Faye faz com a personagem, a ponto de esquecermos que mesmo sendo uma bandida, ela também tem um coração. 


3º Lugar: Audrey Hepburn, Wait Until Dark (Um Clarão nas Trevas)

Hepburn é, até hoje, uma das ganhadoras mais novas do Oscar. Felizmente, a atriz foi inteligente o suficiente para buscar se aprimorar cada vez mais, e isso é visto de forma até fácil no decorrer de sua filmografia. No filme de Terence Young, que viria a ser uma de suas últimas atuações, Hepburn entrega seu auge na telona, ao menos em minha opinião.

A performance de Hepburn como uma mulher cega que é vítima de dois ladrões é cativante e muito esperta. A atriz sabe que o filme se passa quase todo em um só lugar, quase como uma peça, e ela entende que precisa prender a audiência de uma forma que soe genuína. Logo, sua personagem não é uma completa indefesa, mas também demonstra pontos fracos. Ela é alguém palatável pelo qual nós, espectadores, torcemos até o último minuto de projeção. Tudo isso, claro, graças ao talento Hepburn, que foi capaz de dar vida e nos guiar durante toda a trama da forma mais crível possível. Brava!




2º Anne Bancroft, The Graduate (A Primeira Noite de um Homem)

Fiquei com uma dúvida tremenda entre colocar Bancroft ou Hepburn em segundo lugar, mas indo contra toda uma lógica interna, não tiver como deixar Mrs. Robinson fora dessa posição. Antes de mais nada: Bancroft não é protagonista do filme, ela é uma clara coadjuvante e teria sido uma vitória inexplicavelmente perfeita na categoria certa. Porém, como na época uma atriz do porte dela jamais se sujeitaria a ser ''coadjuvante'' em uma premiação como o Oscar, acabaram por mandar ela de principal.

Então vamos ao que importa, Bancroft aparece predominantemente pelo filme durante sua primeira hora, e todas as cenas que ela se faz presente, você se vê incapaz de olhar para qualquer outra coisa. É simples assim, a atuação dela é hipnotizante ao ponto de roubar a cena até mesmo do excelente Dustin Hoffman. Ela, desde o primeiro momento, sabe que sua personagem é alguém infeliz em sua vida atual e quer aquele objeto de desejo que é alguém jovem e inexperiente, mas o mais interessante é que a medida que os encontros vão acontecendo, Bancroft se permite ser cada vez mais invadida por uma vulnerabilidade que a leoa antes apresentada, jamais deveria ter.

Porém, porque não deveria? É que o arquétipo que Bancroft interpreta aqui passa longe de ser original, mas ela (junto do roteiro) dão uma dimensão muito incrível para a personagem, criando um laço empático e muito humano entre o público e Mrs. Robinson. É uma performance que diverte, te pega e te faz pensar até o último momento de longa como uma pessoa consegue ser tão boa fazendo um papel. É um trabalho que define uma carreira, aliás, uma vida.




1º Lugar: Edith Evans, The Whisperers (idem)

Alguns de vocês devem estar se perguntando como eu amo tanto Bancroft e ela não está em primeiro lugar? Pois bem, esse ano todo mundo estava certo perante uma coisa: Edith Evans nesse pequeno filme britânico está, absolutamente, irretocável.

Se você lembrar que ''whisper'' vem de sussurro, que a protagonista é uma senhora, que o filme é em preto e branco e assistir os cinco minutos iniciais, é provável que você ache que se trata um longa de terror ou suspense. Ledo engano, esse drama trata de algo muito mais aterrorizante que fantasmas e assombros, ele retrata a solidão humana e utiliza Evans como visão do espectador para toda essa triste trama.

Não basta mais que alguns minutos para que a britânica consiga fazer você entender sua abordagem para sua personagem. Mrs. Ross não é totalmente reclusa ou ranzinza, tampouco ela é uma senhorinha boba de coração puro. Ela é alguém que sofreu muito na vida com o abandono das pessoas que a cercavam, Ross é o exemplo da expressão ''produto do meio''.

Evans consegue com um só gesto fazer você sorrir ou chorar, ela demonstra ser ainda altiva pelo mundo que criou em sua mente, mas se vê aberta a criar laços com qualquer pessoa que demonstre a ela um pouco de afeto. O que me impressiona ainda mais é como Edith Evans é capaz de conceber algo tão cru em cena como suas reações singulares a volta do filho ou sua incapacidade de lidar com a presença do marido. 

A britânica explicita muito bem que os ''sussurros'' não estão ali para assustá-la, mas para reconfortá-la de uma realidade nada fácil. ''Are you there?'' fala Mrs. Ross em uma cena, e um sorriso invade o nosso rosto completamente. Bravíssima!

M
A
S

e se eu pudesse escolher alguém pra ser indicada?


Bibi Andersson, Persona

Seria absurdo sim pedir para a Academia reconhecer um trabalho tão experimental quanto o filme de Bergman em questão, mas como sabiamente o National Society fez: reconhecer a atuação impecável de Bibi Andersson em cena deveria ter sido uma obrigação.

Quem me conhece sabe o quanto eu canto os louros de Liv Ullmann, mas em alguns filmes do diretor, a atriz ficava ''de lado'' para dar a chance de outras brilharem fortemente. É o caso de Persona, um filme que deixa a personagem de Ullmann como uma ''ouvinte'' enquanto Andersson se deleita em monólogos, expressões faciais e uma espiral psicológica de dar inveja para qualquer pessoa.

É impossível de se imaginar que alguém tão centrado como a enfermeira Alma iria entrar em um jogo mental tão grande durante a trama, mais incrível ainda é ver como Bibi se doa em tela para que possamos acompanhar essa jornada descendo mente adentro sobre quem somos, o que escondemos e o que queremos mostrar. Andersson evoca o que de melhor os atores da trupe de Bergman conseguiam fazer em cena, é uma mistura de teatro e cinema que te pega muito forte e vividamente. É uma montanha russa de sensações que são passadas para nós através de Andersson e ela faz isso com uma maestria absoluta.

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