terça-feira, 20 de março de 2018

Melhor Atriz 1950 - Quando Davi matou dois Golias


Na foto acima temos a vencedora do Oscar de 1950 e, também, Gloria Swanson. Pois é, essa é uma das corridas mais badaladas de Melhor Atriz na história do Oscar. Até hoje, essa vitória de Judy Holliday gera discussão, controversa e muita deliberação em como uma novata bateu duas lendas do cinema em seus grandes momentos na telona. Por isso, como décima corrida no meu projeto de Melhor Atriz, resolvi analisar esse fatídico ano. Vamos ver como essa corrida aconteceu e quem realmente mereceu?


O ano é 1950, dois dos maiores e mais importantes filmes de toda a história de Hollywood, A Malvada e Crepúsculo dos Deuses, são lançados e totalmente aclamados. Ambos são meio metalinguísticos, um mais do que outro, mas ainda assim se refletem. Bette Davis, então já considerada a maior atriz da história do cinema, se vê ''ressuscitada'' no papel de Margo Channing. Gloria Swanson, uma das primeiras lendas da indústria, reaparece em tela, quase 10 anos após seu último filme, como Norma Desmond.

Quem vai vencer? Ou melhor, quem premiar? Uma vitória de Swanson seria milenar, uma de Davis seria histórica. Davis tinha vencido Cannes e foi sagrada Melhor Atriz pela crítica de Nova York, até então um grande parâmetro. Swanson é a escolha do National Board of Review e vence o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Drama. ''A Malvada'' bate o recorde de ''E O Vento Levou'' e recebe 14 indicações ao Oscar, até hoje é o único filme a indicar 4 mulheres em atuação, mas ''Crepúsculo dos Deuses'' está logo atrás com 11 chances de vencer o Oscar, tendo indicações em todas as categorias de atuação. Porém, um twist: Anne Baxter, parceira de tela de Davis, junto do estúdio tenta campanhar como protagonista, sendo que em coadjuvante seria uma vitória certa. Baxter já tinha um Oscar de coadjuvante, ela não queria outro. Ela também é indicada, assim como Judy Holliday por ''Nascida Ontem'' e Eleanor Parker em ''A Margem da Vida''.

Mesmo com ''A Malvada'' sendo altamente louvado e favorito na noite do Oscar, Davis deve não só ter dividido votos com Baxter (mesmo sendo difícil acreditar), mas ela também bateu diretamente de frente com Swanson pelos votos mais ''apaixonados'' pelo status de ambas. Tá, mas porque logo premiar Judy Holliday? Bom, 4 das indicadas estão em dramas, 1 delas está em uma comédia. É provável que ser a única em uma performance totalmente diferente, e reflexo da Hollywood que se firmaria naquela época, tenha sido a cereja no bolo para a vitória de Holliday, apoiada - claro - na divisão de votos de Swanson/Davis. E sem esquecer que ''Nascida Ontem'' fez muito dinheiro, estava indicado em Melhor Filme e era dirigido pelo grande diretor de atores de todos os tempos: George Cukor.

E porque não consagrar Swanson em um papel tão absurdamente icônico? Acredite, já na época começou um burburinho que muitos votantes do Oscar achavam ''Crepúsculo dos Deuses'' um dedo muito pesado na ferida de Hollywood e se recusaram a ir por Swanson. Sim, a Academia sendo sempre a Academia. No dia da cerimônia, Swanson e Holliday estavam juntas em Nova York numa festa de José Ferrer (foto acima) e Swanson teve que ver uma novata ganhando ao invés dela (fotos abaixo). Poor, Norma!

Swanson aguarda sua categoria

Swanson ao lado de Judy Holliday e José Ferrer, os 2 iriam ganhar os Oscars da noite.

Gloria Swanson é o grupo no dia do Oscar. Rainha!

Abaixo, meu ranking pessoal da excelente seleção dessa categoria:


5º Lugar: Anne Baxter, All About Eve (A Malvada)

Baxter, excelente no filme em questão, está em último lugar por dois motivos: Ela poderia sim ter ido como coadjuvante, e ela é ofuscada por alguém em seu próprio longa. Porém, ela, assim com as próximas duas indicadas, são personagens que nós conseguimos ver toda uma trajetória sendo iniciada e completada em cena. Quando conhecemos Eve, ela realmente vende a ideia de admiração por Margo, mas nós também sentimos que tem algo por trás. E isso tudo só é possível porque Baxter consegue fazer muito bem esse jogo de dubiedade tão necessária para a total jornada de Eve. É um lobo em pele de coelho incrivelmente bem atuado.



4º Lugar: Eleanor Parker, Caged (Á Margem da Vida)

Fiquei com uma enorme dúvida entre Parker e Holliday para essa posição, mas acabei decidindo por ela aqui. Parker está em um filme bem interessante e representativo da época, aqueles dramas bem exagerados, mas acho que sua abordagem primária a personagem é, consideravelmente, exagerada. Dessa forma, demora um pouco para que ela se finque totalmente na mulher tão inocente que se vê num verdadeiro inferno que é aquela prisão. No entanto, a atriz tem vários momentos fortíssimos em cena, com destaque para quando ela recebe a notícia de sua liberdade condicional, assim como também quando ela reaparece após a cena da tesoura.


3º Lugar: Judy Holliday, Born Yesterday (Nascida Ontem)

Preciso comentar que acho incrível que Holliday tenha sido indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz em Drama e, também, de Melhor Atriz em Comédia/Musical, vencendo o segundo (no surgimento da categoria). Só por ai você já tira que a performance dela tenha causado um frisson considerável na época. Holliday começa seu longa como um dos primeiros exemplares de ''loira burra'' que Hollywood deve ter feito na vida. Billie tem feições e vestidos de classe, mas ao abrir sua boca tem um sotaque e palavreado interiorano. Porém, é esse mesmo jeito que cativa, muito facilmente, o espectador em cena. Você, e ela!, sabem que Billie é uma mulher... burra, mas isso não a impede de ser totalmente honesta.

A presença e o timing cômico de Holliday para todas as cenas do filme é de se invejar, só lembrar da maravilhosa cena do baralho. E a medida que ela vai aprendendo mais da vida, nós vemos uma personagem se dimensionar sem perder a sua essência, sem parecer ''atuado''. É uma crescente muito latente, mesmo sem ser completa, elevada diretamente pela certeza que Holliday tem por quem é Billie.



2º Lugar: Bette Davis, All About Eve (A Malvada)

O que seria de um bom ator sem um bom personagem? Nada. E o que acontece quando um estupendo ator recebe uma magnífica personagem? Ai nasce Margo Channing né meus lindxs!

Tentar conceber a total e absurda confiança que exala de Bette Davis em qualquer momento que ela está em cena é algo impensável. Para ser muito direto, ela não atua como Margo, ela É Margo. Channing é a ''magnum opus'' da maior atriz americana de todos os tempos, ela é a referência mór para uma atriz que construiu uma carreira fazendo personagens intragáveis serem amados/odiados pela plateia. Cada linha desse maravilhoso roteiro que é dito com tanta acidez por Davis é um tiro na plateia. O que mais cativa na dinâmica que Davis faz com Margo é o quanto ela, basicamente, nunca se deixa abalar com todas as pancadas que ela leva durante a trama. Davis está sempre altiva, feroz, ela expressa uma força que talvez nem tenha, mas o faz porque ela entende que é exatamente assim que Channing se portaria naquela situação.

Falar que é uma atuação inteligente é o mínimo que se pode dizer dessa performance, mas clamar que é um dos melhores exemplos de um ator entendendo sua personagem de dentro para fora amparada por um roteiro que lhe dá todas as ferramentas necessárias para isso seria mais correto. Davis aqui está, simplesmente, irretocável



1º Lugar: Gloria Swanson, Sunset Boulevard (Crepúsculo dos Deuses)

É muito lógico que um ator seja capaz de fazer qualquer tipo de personagem, mas é ainda mais óbvio que se você tem algum contato inerente ao mesmo, você saberá ainda mais em como lidar com ele. Isso deve ter sido primordial para Swanson se tornar, tão poderosamente, Norma Desmond. A atriz foi uma das primeiras lendas da sétima arte, mas viu sua carreira ''virar pó'' a medida que o cinema falado ia cada vez mais adentrando a indústria. A atriz, de feições tão fortes e marcantes, representa tudo que Norma foi, e no filme, ainda é.

Na obra-prima de Billy Wilder, até hoje o melhor filme sobre Hollywood, Swanson é Norma Desmond. Uma atriz arrancada de seu sucesso por não se encaixar na nova etapa do cinema. Norma se isola, e nisso, Swanson cria a personagem como se ela fosse uma completa ''outsider'', se aproximando muito de um ''monstro''. Desmond precisou criar um mundo próprio, visto que ela foi incapaz de aceitar o que lhe foi deixado. E em momento algum, Swanson nos faz acreditar em qualquer recuperação da mesma aos danos que lhe foram causados.

Swanson está ciente de cada, absolutamente cada uma das câmeras em cena, e nesse caso, sua interpretação é perfeitamente coordenada com a deterioração que a personagem - e o filme - pedem para que seja transmitida ao espectador. A forma como Gloria parece uma cobra a espreita, mas ao mesmo tempo pronta para dar o bote, quando vê Joe é um reflexo da insanidade da personagem, perfeitamente feita pela atriz, naquele mundo. Tudo isso culmina naquela cena final que é de arrepiar tamanha é a perfeição que Swanson evoca em cena. Naquela cena final, Desmond é uma real deusa.

''Em Crepúsculo dos Deuses, Norma é a Medusa. O seu poder está nos olhos''. É o que diz um dos estudos sobre o filme, uma assertiva totalmente correta. E se existe qualquer dúvida da minha admiração sobre essa performance, saibam que hoje Swanson/Desmond nunca mais irão me deixar, pois fiz questão de tatuar seu busto em minha panturrilha.

E porque? Porque Norma/Swanson não é só uma pessoa em total, e iminente, colapso, ela é representação do que a indústria é capaz de fazer com seus ''deuses''. Swanson aqui não é só Norma Desmond... Gloria Swanson É o cinema.


Um comentário:

  1. PERFEITO!!!!
    Eu tô apaixonado por esse texto e esse blog. Nem sei como parei aqui, mas amei.

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