domingo, 3 de fevereiro de 2019

2018 no Cinema


Fica meio estranho ter filmes como ''Me Chame pelo seu Nome'' junto de ''Roma'', né? Uns parecem ser de 2017 e outros de 2018, se bobear até 2019. Porém, como critério para o meu top pessoal, eu escolho sempre levar em consideração lançamentos no mercado brasileiro. É difícil fechar só dez longas quando se assiste tantos filmes, por isso ficam aqui as menções honrosas que por pouco não entraram na lista:


- O Sacrifício do Cervo Sagrado
- Primeiro Homem (foto)
- O Processo
- Benzinho
- Custódia
- Missão Impossível - Fallout
- Pantera Negra

Porém, vamos direto ao que interessa e assim que ficou o meu ranking dos 10 filmes que mais gostei lançados aqui no ano passado:



Bônus. Um Lugar Silencioso (A Quiet Place, John Krasinski): Filme sensacional! O trabalho de direção junto do roteiro faz uma imersão completa na proposta do filme. A fotografia e a trilha são incríveis pontos técnicos a destacar também. Porém, nada disso funcionaria se o elenco principal não fosse tão perfeito. As crianças brilham muito, Krasinski tá muito melhor do que eu jamais o vi, mas o que é Emily Blunt? Tão forte, presente e absurda em cena que eu queria muito aplaudir. Tenho problemas com a decisão estética das ''criaturas'' por ser bem genérica, mas nem isso impede desse futuro clássico ser fodíssimo do início ao fim, sem precisar ser verborrágico ou repetir clichês do gênero.


10. O Retorno de Mary Poppins (Mary Poppins Returns, Rob Marshall): É um filme honesto e mantém a dinâmica, discurso e humor do original, tudo bem leve e altamente família. No entanto, em momento algum eu me entediei com o filme, sei que muito disso é porque Emily Blunt está esplêndida, mas o todo é realmente ótimo. ''A Cover is not a Book'', ''The Place Where the Lost Things Go'', ''Can You Imagine That?'' e ''Trip a Little Light'' são excelentes e belamente apresentadas.

Porém, o longa é de Emily Blunt, practically perfect in every way! Ela consegue conceber uma Mary Poppins que desde a composição jamais te faz lembrar de como Andrews fez o approach do personagem. Aí você tem o humor, as feições, o carisma, a total presença de uma verdadeira Leading Lady! E para completar ela arrasa em “Lost Things Go”, me deixando totalmente em lágrimas. É um daqueles filmes que a expressão “ter o coração no lugar certo” faz total sentido. Um amorzão que todos devem assistir!


9. Infiltrado na Klan (Blackkklansman, Spike Lee): O totalmente identitário novo filme de Spike Lee é uma poderosa e marcante obra sobre o tópico pelo qual o diretor nunca deixou de falar em sua vida artística: o problema racial americano. De forma até menos ''dedo na ferida'' na maior parte do longa que seus trabalhos anteriores, Lee tece uma vigorosa narrativa entre as tramas principais que culminam em momentos arrepiantes como a sobreposição cênica do discurso de Harry Belafonte na universidade brigando diretamente com o batismo da Klu Klux Klan.

E se há uma possível indagação do porque o diretor não aponta mais diretamente o dedo na cara da questão, todas essas dúvidas se esvaem na cena final, completamente incrível e deixar qualquer um aterrorizado, mas igualmente revoltado.


8. 120 Batimentos por Minuto (120 battements par minute, Robin Campillo): Não sou, necessariamente, muito fã do retrato do HIV dos anos 80 como uma certa perpetuação dessa imagem das pessoas soropositivas hoje em dia, mas saindo da sessão me vi totalmente arrebatado por uma peça audiovisual que consegue unir um retrato tão crível de um momento tão triste da nossa história, indo além da panfletagem e aula de história, com personagens, escolhas visuais e narrativas fortes o suficientes para me manter ligado nas mais de duas horas de projeção.

Da (des)construção de cada personagem (um elenco incrível, aliás), da percepção dos maiorais com aquele fato ocorrendo ali, da forma tão sensacional como eles retratam a infame indústria farmacêutica, tudo em cena tem uma força dramática muito bem delineada e isso torna a experiência como um todo ainda mais irretocável. Quando Campillo utiliza seu olhar para criar cenas arrebatadoras temos as várias sequências nas baladas, as no escuro dos quartos, a do rio Sena, é quase como se ele conseguisse utilizar essa dor da forma mais lúdica possível, criando momentos lindos de uma situação nada feliz. É um filme para ver, pensar, amar, sofrer, sei lá, é acima de uma grande mensagem, uma grande obra.

P.S.: Em um certo momento do filme alguém fala ''qual seu trabalho?'' e a pessoa responde: ''eu sou soropositivo, é o que importa, certo?'' E isso me dilacera, por que, porra, é tão verdade. Não só em 1984 ou 95, mas em 2018. E nisso eu discordo que a nossa percepção da doença mudou, ainda é muito arcaica, e triste. e errada. Bravo, Campillo!


7. A Forma da Água (The Shape of Water, Guillermo Del Toro): Que filme incrivelmente LINDO! Sério, poucos diretores tem a capacidade de imprimir visual e narrativamente seu olhar sobre algo como Del Toro é capaz de fazer todas as vezes que ele levou seus monstros a vida nas telonas, em ''A Forma da Água'' não é muito diferente, mas graças a sua protagonista, acaba sendo mais pessoal, mais tocante... e mais humano.

Desde a primeira cena, Hawkins cria uma das personagens mais carismáticas do ano e nunca esse sentimento some de tela, Elisa parece ingênua, mas não é, e ao encontrar algo pelo qual acredita, ela vai até o fim em nome da amizade, do amor, desse vínculo criado com alguém tão diferente quanto ela mesma acha que é. O roteiro (que até é bem esquemático), alinhado a direção, cria uma ambientação totalmente crível e o mesmo delineia todos os personagens para que nada soe muito maniqueísta, embora o vilão seja um pouco, e nisso a trilha é um ponto altíssimo, embalando todos os momentos de forma envolvente.

Ah, e a última cena do filme é de deixar o espectador sem palavras.


6. Hereditário (Hereditary, Ari Aster): O maior medo que ‘’Hereditário’’ causa em mim é justamente como ele se desprende de qualquer ação sobrenatural como primeiro plano e usa a mesma como pano de fundo para esse horror tão crível que essa família precisa viver. As ligações que temos enquanto seres humanos já são desgastantes por si só, mas as obrigações que temos com nossas famílias podem levar algumas pessoas a loucura. E isso está impregnado na personagem e atuação de Toni Collette. Uma filha que por tantas vezes odiou a mãe, e uma mãe incapaz de reviver a confiança de um filho ou criar a própria filha. Collette consegue externar isso tão bem na cena do jantar e das "formigas" que me deu, internamente, uma vontade absurda de gritar.

Quantas vezes não é horripilante esse maldito pilar de necessidades e concessões que nos foram impostos para que possamos ter uma família? E se ele o falha, você precisa aprender a viver com esse inferno dia após dia. "Hereditário" é pra mim, acima de tudo, um conto sobre como nossa maior maldição às vezes pode ser os laços que não queríamos, mas a vida nos resolveu dar.


5. Projeto Flórida (The Florida Project, Sean Baker): Eu amo como o filme é belo, vibrante, colorido! Mesmo que seja um mundo sofrido, nós estamos ali com crianças, elas são mais linguarudas e sofrem mais pelo meio? Sim, mas crianças ainda veem o mundo diferente. Existe uma leveza e dureza ao mesmo tempo ali, quantos palavrões são ditos, como elas fingem serem mendigas para tomar um sorvete e como cada um é reflexo de seus criadores.

Quando o filme resolve mudar o foco mais para os adultos, o mundo fica menos feliz, mais preto e branco. E nisso Dafoe tem uma figura paterna da forma mais ranzinza de ser e Halley é a pior melhor mãe do mundo. Em um determinado momento eu questionei a problemática do mundo, até onde ele ia, o que ele queria. Baker deixa isso pro final, aí aquela sensação de alegria, temor, receio se transforma num clímax inatingível que começou a me fazer chorar muito antes do que deveria.

A câmera é precisa e o que se sucede com Mooney é estupendo, criando um final que é, corretamente, catártico até dizer chega. Filmão.


4. Lady Bird (Lady Bird, Greta Gerwig): Filme lindo, maravilhoso, da minha e de muitas vidas! Além de ser muito bem feito, o roteiro desse filme é muito gênio em conseguir desenvolver tudo tão bem e de forma tão genuína, é um trabalho de master class na forma de criar e entregar rumos para os personagens. E a direção de Gerwig é de uma certeza absurda, ela sabe muito bem estabelecer aquela atmosfera necessária para que você acredite na verdade, especialmente daquela protagonista.

O elenco é um dos mais incríveis do ano, onde todo mundo tem ao menos uma cena para brilhar. E temos Saoirse Ronan! Ela que tem agora dois coming of age tão incríveis no currículo e conseguiu imprimir duas performances tão distintas de duas personagens conhecendo o que é se tornar ''adulto''. E o que falar da grande coadjuvante do ano? Metcalf é tão crua, verdadeira e humana em sua construção de personagem que fica difícil descrever o quão perfeita é a sua entrega. É uma atuação sem qualquer vaidade, mas altamente efetiva.

E o final do filme eu acabei chorando em umas 3 cenas seguidas. Lindo, honesto, verdadeiro e poderoso! Amém, Lady Bird.


3. Roma (Roma, Alfonso Cuarón): “Roma” foi, muito facilmente, a minha maior catarse no cinema até hoje. Não existe nada mais poderoso do que a forma como Cuarón (junto de uma excelente Aparicio) desenrola não só a trama de Cleo, mas o recorte de classe e os aspectos históricos de um bairro, cidade e país.

E quando tudo vai sendo criado para o momento chave do filme, o diretor te dá uma senhora rasteira e eu tive que me conter pra não passar vergonha chorando no cinema, coisa que fiz após terminar a sessão. ''Roma'' é sobre Cleo, sobre o México e sobre Cuarón, mas acima de tudo é sobre o poder do cinema enquanto arte. E isso é totalmente sintetizado na técnica e dramaticamente poderosa cena da praia, algo que não dá pra se colocar em palavras. Assim como o próprio longa. Brilhante. Bravíssimo.


2. Trama Fantasma (Phantom Thread, Paul Thomas Anderson): O novo longa de Paul Thomas Anderson é posto em tela tão organicamente que a sua relação com o realizador do filme é apenas uma, ser grato. Fico feliz pela capacidade de condensar uma história tão simples, mas tão intrigante, com tantos temas e subtextos que faz você pensar no mesmo por horas a fio. Pela capacidade que ele tem de transpor cada aspecto técnico que ajudam a compor um filme de forma tão suave que você nem percebe que a trilha é tão maravilhosamente incisiva ou que a montagem leva o filme da forma mais leve possível.

E ainda mais por saber que existem diretores de atores como Anderson, que extraem de seus atores não só uma variada gama de emoções, mas o personagem per si do próprio ator. Daniel Day-Lewis, Lesley Manville e Vicky Krieps, ela em destaque, estão estupendos. Depois de ver Trama Fantasma eu fico grato pelo que Paul Thomas Anderson retornou ao cinema, entregando um dos grandes filmes do ano.


1. Me Chame Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name, Luca Guadagnino): Então, eu tava falando que esse filme é um dos filmes da minha vida, e é mesmo. Oliver é um Deus, ele é tudo que um jovem atraído pelo sexo masculino desejaria e Élio é muito inteligente pra muita coisa, mas como ele mesmo admite, não para as coisas que "importam".

O que Luca é capaz de fazer com todos os apetrechos técnicos para criar uma aura de descobrimento para todos os espectadores é de se aplaudir, o que ele consegue imprimir de sua autoria por trás da câmera em cada frame é de se assustar. Cada pedaço desse filme tem a cara do diretor, cada tom, cada corte, tudo é Luca e ele é sensacional. Élio se descobre porque ele quer, porque ele precisa, porque lhe foi apresentado algo que ele conseguiria explorar porque lhe é inerente querer fazer isso no momento da vida que ele está vivendo. E nisso eu também aplaudo fortemente Chalamet em uma atuação tão verdadeira e transparente que fica difícil não se transpor em tela. De uma certa forma, você é Élio, da forma como Luca nos apresenta Oliver, você quer ser Élio. Lindo.

O que surge disso tudo é algo que ressoa, muito forte e dignamente com o sentimento de amor que nós queremos conceber porque acreditamos nele. E esse amor, o primeiro, ele é tão forte e é o mais próximo de real e puro que muitas pessoas vão ter. E em tela eu pude ver, ter e ser tudo. E tem aquela cena embasbacante de Stuhlbarg sobre ser, pode ser, ser quem eu quero ser. O filme tem uma cena de dilacerar o coração de qualquer um que o tenha batendo dentro do peito. Eu vi, vivi e quis aquilo, e a realidade que todos precisamos enfrentar é dura. E no fim das contas o amor precisa ser assim mesmo, antes de tudo e qualquer coisa, algo real.



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