domingo, 27 de junho de 2021

Melhor Atriz 1994 - Uma Vitória de 3 Anos Atrás


Nem todos que associam Jessica Lange as séries de Ryan Murphy nos dias atuais sabem do seu passado como uma das maiores atrizes da década de 80. Em uma década que sedimentou nomes como Meryl Streep, Sigourney Weaver e Glenn Close, Lange foi responsável por explicitar algo que nem todas ousaram em sua carreira, seu sexo. A sexualidade de suas personagens sempre foi algo marcante em Lange, foi assim quando (re)surgiu com ''Frances'' e ela sempre trabalhou essa persona sem medos. Com uma vitória em coadjuvante de pouco mais de uma década antes, a atriz acumulava quatro indicações na categoria principal e um status irretocável perto dos seus 45 anos de idade.

Essa, aparente, inadimplência do Oscar com ela não poderia ter sido resolvida em um ano melhor. A atriz gravou ''Blue Sky'' em 1990, o filme foi completado e seria lançado no ano seguinte (o mesmo de ''O Silêncio dos Inocentes''), mas com a falência da distribuidora do longa (que também distribuiu ''Inocentes'' meses antes de declarar falência), acabou engavetado. Três longos anos depois, nem tudo estava perdido e o filme foi lançado. Foi um estouro na crítica, foi notado como ela estava totalmente entregue a personagem, falaram ser a grande performance da carreira e que evocava os grandes sex symbols de Hollywood. Até ali, não havia concorrência para Lange. Aliás, a performance de Jennifer Jason Leigh como Dorothy Parker em ''Mrs. Parker and the Vicious Circle'' tinha agitado a crítica, mas a recepção do público tinha sido fria.

A competição de Jessica Lange ''chegaria'' no fim da corrida, mas elas nunca aconteceram de verdade. Jodie Foster foi completamente aclamada por ''Nell'', e uma Winona Ryder iluminada em ''Little Women'' entrava forte na conversa pela possibilidade de seu filme entrar nas principais categorias da noite. As três foram indicadas, e além delas, também entraram Miranda Richardson (''Tom & Viv'') por um filme tão pequeno que nem os familiares da atriz devem ter visto (mas que a fez vencer o cobiçado ''National Board of Review'') e Susan Sarandon (''The Client'') por um thriller de verão que foi mais longe do que qualquer pessoa jamais imaginou.

Entre as esnobadas do ano se destacam a própria Jason Leigh, vencedora de vários prêmios da crítica e indicada ao Globo de Ouro, assim como Meryl Streep (sim, ela!) por ''The River Wild'', que chegou a indicar a atriz no SAG Awards e nos Globos. Porém, a grande história daquele ano foi a ''esnobada'' de Linda Fiorentino por ''The Last Seduction''. O filme foi lançado nos cinemas em outubro de 94, mas a HBO tinha exibido o mesmo alguns meses antes da televisão, e pelas regras da academia, isso tornaria o filme inelegível em qualquer categoria do Oscar. A crítica, e até a indústria, caiu de amores por Fiorentino, a produtora e a distribuidora do filme tentaram processar a Academia, mas nada foi feito.

Na noite do Oscar, não tinha para onde correr. Foster jamais venceria um terceiro Oscar - protagonista! - em um espaço de sete anos. E o filme de Ryder nunca aconteceu em Filme/Diretor. Quando você junta as críticas de uma carreira, o fator sentimental pelo engavetamento do filme e a quinta indicação em Melhor Atriz sem vitória, não é difícil entender porque foi Jessica Lange a subir naquele pódio.

Abaixo, meu ranking:


5º Lugar: Susan Sarandon, The Client (''O Cliente'')

Esse filme deve ter arrasado muito nas locadoras dos anos 90, é um ‘’drama judicial/policial’’ muito comum e característico dessa época. É de bom tom em 2021? Não tanto. Pouca coisa engaja de verdade e, querendo ou não, o foco do filme é muito mais no menino, o jovem Brad Renfro. Susan Sarandon faz sua advogada, tem um considerável tempo de tela e tenta entregar o máximo nesse espaço concedido a ela.

Não sou o maior fã do sotaque que ela faz no filme, mas entendo a caracterização e não acho, como um todo, ruim. Porém, não dá para colocá-la em nenhuma posição acima quando sua personagem não a deixa brilhar como veríamos em corridas anteriores e posteriores a essa. É um trabalho maduro, bem feito e respeitoso de uma atriz já muito versada na indústria, mas que tirando uma cena aqui ou ali, não tem o brilho que a mesma merece e mostrou em outros momentos da carreira.


4º Lugar: Winona Ryder, Little Women (''Adoráveis Mulheres'')

Quantas vezes ainda veremos adaptações de ‘’Little Women’’? Acredito que inúmeras mais. Aqui, em uma das boas versões, eu sinto que Ryder é a estrutura que segura o todo. O elenco coadjuvante trabalha perifericamente para que possamos entender aquele meio e o trabalho técnico do filme nos adentra ainda mais para aquele mundo.

Porém, os questionamentos de Jo só são palpáveis porque mesmo quando ela recusa uma proposta irrecusável, a gente entende que aquilo é feito com verdade e, também, com pesar. E poucas atrizes na década de 90 conseguiriam criar essa ligação e dinamismo com o público como Ryder. Ela é exuberante em cena, trazendo uma essência ‘’tomboy’’ ao personagem que é muito necessária, além de um carisma/’’star quality’’ que encaixa perfeitamente com Jo. É bem latente o motivo da popularidade de Winona e poucos filmes mostram isso tão bem quanto ‘’Little Women’’.


3º Lugar: Jessica Lange, Blue Sky (''Céu Azul'')

Como citei, poucas atrizes ousaram trabalhar a sexualidade em cena como Jessica Lange em sua carreira. Logo, uma das poucas alegrias desse Oscar é poder ver essa mulher entregar tudo em uma personagem que vive o sexo a flor da pele. A personagem pode ser, às vezes, pouco dimensionada e o filme em si nunca está acima da mediocridade, mas Lange se agarra a Carly com unhas e dentes, desde a primeira cena, e nunca olha para trás. 

E se isso pode ser caso de demérito em outros longas, aqui é o que faz o filme funcionar em algum nível. É como se a Jessica Lange de ‘’Frances’’ estivesse vivendo uma outra fantasia. E por esse aspecto fantasioso, a atuação nunca me soa como exagerada, por que tudo me leva a crer naquela ilusão. Com um filme decente, Lange poderia ter voado altíssimo, aqui ela só faz um voo raso, mas ainda o suficiente para lembrarmos a atriz que ela é.


2º Lugar: Miranda Richardson, Tom & Viv (idem)

Miranda Richardson surgiu igual a Jessica Chastain, celebrada em inúmeros filmes no mesmo ano e culminando em uma indicação ao Oscar em atriz coadjuvante, no caso dela por ‘’Perdas e Danos’’. Dois anos depois, ela retorna ao Oscar, agora na categoria principal, nessa adaptação de uma peça sobre Vivienne Haigh-Wood, a primeira esposa do laureado poeta T.S. Eliot. Richardson é uma atriz de considerável charme, sua presença em cena é sempre notável, e muito cativante. Aqui isso não é diferente, nós não sabemos de cara o que torna Viv uma pessoa única, mas à medida que vamos descobrindo mais, começamos a nos compadecer de uma mulher culpada pelo seu próprio tempo. 

Nesse espectro, a forma ‘’lúdica’’ que Richardson vai levando Viv acaba se tornando uma arma muito inteligente. Você até pensa, por alguns segundos, que ela está acima do tom, mas logo em seguida você entende o rompante que aconteceu ali e tudo se justifica. E por traçar a vida dessa mulher por tantas décadas, Miranda fica com esse segundo lugar por nunca permitir que Viv perca sua ''alma'', dando todas as camadas possíveis a essa mulher, mesmo quando o roteiro ameaça ser tão raso quanto um pires.


1º Lugar: Jodie Foster, Nell (idem)

A melhor coisa sobre Jodie Foster em ‘’Nell’ é poder constatar que, mais duas décadas depois, você assiste o filme e compreende todo o amor e respeito que a atriz tem pela personagem. Uma atriz menos experiente teria transformado Nell em um show de horrores, criando uma atuação caricata e vaidosa, mas nunca é o caso de Foster. Desde o nosso primeiro encontro com Nell, até sua última cena, o que vemos é uma jornada de descobrimento. 

Para Nell, são pessoas e um mundo que ela nunca viu, para nós é normalizar o diferente retratado em um ser. E essa humanização da personagem, em uma atuação muito bem fundada em um belíssimo trabalho corporal, que me chama atenção. É difícil um ator no cinema se preocupar tanto com o corpo em uma mídia que adora filmar do pescoço para cima, mas é irrepreensível compreender e executar o todo, aqui brilhantemente, para dar vida a Nell. Nesse ponto, mesmo que o filme seja chatinho, a atuação de Foster é sempre um primor.

M A S...

Como eu acho esse ano fraquíssimo, fiz um top 5 pessoal dentre as possíveis indicadas aquele ano. São elas:


Kathleen Turner, Serial Mom (''Mamãe é de Morte'')

A primeira informação que um estudante de atuação recebe é que atuar é brincar, só ou com outros. E não tem ninguém esse ano que se divertiu mais que Turner nessa comédia satírica de John Walters. A atriz vive uma mãe que vai surtando e matando a torto e a direito. É uma atuação mega ''over the top'', mas que super combina com o filme e diverte como poucas.

A inclusão numa lista pessoal é, especialmente, por não ser algo normalmente reconhecido, mas que existe um claro trabalho da atriz em questão. É, acima de tudo, uma atuação precisa e inteligente, porque para se tornar algo sem graça e repetitivo seria um triz, mas ela nunca deixa isso acontecer.


Isabelle Adjani, La Reine Margot (''A Rainha Margot'')

Em um filme turbulento, a qualidade maior de Adjani é se manter magnética em cena. É difícil, por si só, não se fixar num dos rostos mais irretocáveis a dar a graça ao cinema, mas existe uma característica muito viciante na forma como Adjani vai dando corpo a Margot. Ela começa de forma submissa, mas vai crescendo até se apoderar de tudo que está ali. É uma atuação bem consciente do filme que a rodeia, e funciona em vários níveis. As suas cenas finais são um estouro, totalmente entregue e sem medo algum de ser feliz. Maravilhosa.


Melanie Lynskey e Kate Winslet, Heavenly Creatures (''Almas Gêmeas'')

Olha, eu até gostaria de dividir ambas pelo bem da individualidade artística, mas acho até injusto com elas. Suas atuações são concomitantes, seja entre si ou com o próprio filme. O diretor, Peter Jackson, exige que você voe um pouco para contar aquela história, permear aquele mundo. E isso não seria possível se cada uma das duas fenomenais jovens atrizes não se comprometessem a acreditar nisso mais do que qualquer outra pessoa. É um jogo de se alimentar, Lynskey e Winslet vão sugando a sanidade, a alegria, tristeza ou o quer que seja e criam algo imprescindível de se assistir.

Eu posso dizer que, em um pequeno nível, acho Lynskey superior a Winslet, mas acredito que isso está mais ligado a minha pouca exposição ao trabalho de Melanie durante sua carreira. No fim, são atuações que não são concebíveis como as primeiras em filmes de suas atrizes, tamanha é a maturidade com que elas chegam em suas personagens. Trabalho de mestre, de verdade.


Jennifer Jason Leigh, Mrs. Parker and the Vicious Circle (''O Círculo do Vício'')

Eu consigo traçar um paralelo bem legal entre Leigh e Richardson nesse ano. Não só por fazerem mulheres de época com cabelos curtos, mas porque elas se aproximam de suas personagens pelo sútil. Existe algo de muito bonito em ver Jason Leigh encontrar uma melancolia necessária para Parker. Não é só tristeza pura e simples, é algo que paira no ar. A câmera corta para Parker e você sente, através dela, essa sensação de se perder na vida.

E, digo isso sem dúvidas, poucas atrizes tem esse tipo de conexão com esse sentimento como Leigh. Uma atriz que sempre tratou de lidar com mulheres em seu fracasso, ela compreende a derrota e essa linha tênue como ninguém. É uma atuação bem contida, mas muito pesada e poderosa.


Julianne Moore, Vanya on 42nd Street (''Tio Vanya em Nova York'')

Julianne Moore tem que ser uma das maiores atrizes do cinema, só na década de 90 essa mulher tem umas cinco atuações inatacáveis, mas essa eu não conhecia e foi uma surpresa linda demais. Moore faz aqui um tipo de atuação híbrida, ela precisa atuar para câmera, mas está fazendo uma personagem atuando no teatro. Difícil só de conceber, imagina de concretizar.

Porém, uma atriz boa mesmo consegue fazer esse trabalho de linguagem com muita maestria. Ela tenta unificar o pequeno com o estouro. Sem nunca ter medo ou vergonha, os closes ajudam a trazer a nota aquelas micro expressões tão fortes na telona, mas ela se deixa inundar pelo texto de Chekhov para expressar o grande que ele oferece. Proprietária de alguns incríveis monólogos em cena, essa atuação é para se ver e rever sempre, uma aula.

2 comentários:

  1. Eu adoro essas suas análises, adoro entrar aqui e ver que você atualizou com novos posts, eu nem sabia sobre essa desclassificação de The Last Seduction, gosto muito da vitória de Lange e sequer sabia desses percalços que o filme dela passou até ser lançado. Seu top 5 abaixo é maravilhoso, eu tenho um carinho especial por Mamãe é de morte e Almas Gêmeas.

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    1. Não conhecia Mamãe é de Morte até fazer o ano, mas fiquei apaixonado, já Almas Gêmeas amava de antes. Ainda entrou em roteiro, né? Então claramente eles viram o filme haha

      Eu não me ofendo com essa vitória de Lange at all, gosto dela ter um Oscar de protagonista.

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