sexta-feira, 16 de julho de 2021

Melhor Atriz 1934 - Uma Escândalo Aconteceu Naquela Noite


Algumas coisas precisam ser colocadas em perspectivas ao falar de 1934. Primeiro, esse foi o ano que o Sindicato de Atores (assim como outros sindicatos) tiveram um enorme crescimento na indústria, isso acabou colidindo com as visões do então presidente da Academia, Theodore Reed, e criou uma tensão forte, levando a perda de muitos membros. Na verdade, na votação desse ano a Academia tinha pouco mais de 100 membros, todos ligados a grandes estúdio, e por conta disso, totalmente influenciáveis. 

Esse também foi o ano que o ''Código Hayes'' entrou em vigor, criando censura em diversos tópicos que Hollywood começava a tocar em seus filmes. Esses dois tópicos acabaram afetando filmes da corrida, como, por exemplo, ''Queen Christina'' de Greta Garbo. Louis B. Mayer, chefe da MGM na época, estava as turras com Garbo, especialmente por ela não ter permitido a demissão de John Gilbert do filme, um ator que Mayer odiava. Isso fez com que ele lançasse o filme muito cedo e não desse qualquer apoio a uma das atuações mais elogiadas dessa lenda da telona. 

A Life escreveu que o trabalho de Bette Davis em ''Of Human Bondage'' era ''a melhor atuação registrada em vídeo de uma atriz americana até então''. Para muitos, Davis iria vencer o Oscar. Porém, Jack Warner (chefe da Warner Bros.) não queria fazer campanha para Davis por ela ser contratada da Warner, mas o filme ser da RKO, e a RKO não quis fazer o mesmo justamente pelo efeito diverso. Isso levou a um choque no dia das indicações quando Davis foi esnobada. O buzz negativo foi tão forte, que apoiadores como a indicada Norma Shearer pediram para a situação não ser deixada de lado. A Academia permitiu então que os votantes pudessem incluir quaisquer nomes que fossem em seus ballots finais.

Com tudo isso acontecendo, a americana Claudette Colbert, a grande estrela daquele ano, não tinha um, nem dois, mas três filme entre os indicados. Colbert tinha odiado ser atriz do cinema mudo por ''não ter falas para memorizar'', então preferiu ficar na Broadway por anos, até a grande Depressão atacar os palcos nova iorquinos. Dando uma nova chance a telona, ela teve inúmeros hits, foi uma das atrizes mais badaladas e bem pagas do mundo, e sempre desafiou os códigos sociais de sua época. Naquele ano, ela achou que não tinha chances de Bette perder após tanta falação pela atuação e esnobada, então ela preferiu ir para Nova York. Na estação ela foi parada, ela tinha vencido. A atriz correu para receber o prêmio das mãos de uma jovem Shirley Temple e falou que ''eu adoraria chorar agora, mas não posso porque tem um táxi me esperando e eu preciso ir para Nova York''. ''Aconteceu Naquela Noite'' foi o primeiro filme a vencer Melhor Filme, Diretor, Ator, Atriz e Roteiro, apenas outros 2 (''Um Estranho no Ninho'' e ''O Silêncio dos Inocentes) conseguiriam tal feito.

As outras indicadas, Grace Moore (''One Night of Love'') e Norma Shearer (''The Barretts of Wimpole Street'') eram esperadas, especialmente Moore em um dos grandes hits do ano, mas nunca tiveram chance de vencer.

Abaixo, meu ranking e alternativas para o ano: 


3º Lugar: Grace Moore, One Night of Love (''Uma Noite de Amor'')

Moore não era, exatamente, uma atriz. Ela foi uma das mais importantes sopranos que a ópera moderna possuiu, com isso acabou se aventurando no teatro musical e no cinema. Ao ver ''Noite'', isso fica bem claro. É óbvio que Moore não passa nenhuma vergonha, mas seu trunfo está em sua voz, e o diretor criar inúmeros momentos musicais para ficarmos encantado com o talento de Grace.

No entanto, são as cenas não musicadas que mostram uma pessoa tentando se encontrar, mas dado a leveza do assunto, isso nunca se torna um grande problema para Moore. Especialmente, por ser muito carismática com a câmera. É uma atuação bem baseada no ''star quality'' e na voz, o que não é um problema, mas impossibilita dela estar mais acima no ranking.


2º Lugar: Norma Shearer, The Barretts of Wimpole Street (''A Família Barrett'')

Shearer é uma das principais atrizes do começo do século XX no cinema, aqui ela se vê em uma personagem até interessante, mas com falhas de roteiro e um filme que não a ajuda em nada. A forma como ela encara a Elizabeth Barrett é muito digna, sempre tentando evitar se depreciar graças a uma deficiência da personagem. Ela acaba por conferir estofo aos infinitos diálogos do roteiro e cria uma aura bem valente de uma mulher quase a deriva.

Infelizmente, a falta de imaginação de seu filme é crucial para você não conseguir ir além com Norma, mesmo que ela tente fortemente, incluindo uma belíssima cena com seu amado. O saldo final é positivo para Norma, mas negativo para o todo.


1º Lugar: Claudette Colbert, It Happened One Night ("Aconteceu Naquela Noite'')

O que Colbert concebe aqui é a definição de seminal. Se ''Noite'' é o esqueleto do que viriam a ser todas as demais comédias românticas, o que Colbert entrega é o que todas as atrizes que fazem o gênero performam até hoje. Existe uma graça e carisma muito intrínseca a forma que ela constrói sua Ellie, e é uma escolha muito pontual numa escala de progressão para entender o filme como um todo.

O mais legal de sua atuação é como Colbert consegue se manter bastante sútil em momentos bem cruciais, mas não tem medo do ''grande'' quando lhe é necessário. Esses momentos podem ser notados em cenas como a da carona ou, a minha favorita, quando ela e Gable fingem ser um casal. É uma mistura de comédia física e graça, mas sem se datar e com muita força no que a própria personagem representa. Uma aula, de fato.

M A S,
Se eu pudesse trocar Moore e Shearer por outras, quem deveria ter entrado?


Bette Davis, Of Human Bondage (''Escravos do Desejo'')

É imprescindível dizer que o ultraje da esnobada de Davis foi necessário. O que mais chama atenção nessa atuação é a completa entrega, sem qualquer resquício de glamour, que Bette dá a sua personagem. Um ser humano dúbio, muito diferente do que se esperava da época, mas que é capaz de ser crível através do trabalho de Bette.

Sua grande cena, a do gif acima, é um maravilhoso exemplo da naturalidade que o cinema americano tão deseja hoje. Óbvio, é exagerado, mas você sempre o ódio transpassando cada osso de Davis, e essa sensação de desprezo tornam tudo muito palpável e chocante. Uma atuação para uma vida toda.


Marlene Dietrich, The Scarlet Empress (''A Imperatriz Vermelha'')

Dietrich nunca foi tão apreciada como devia pelo Oscar, e essa atuação mostra bem isso. Uma atriz que sempre escolheu papéis ousados, o seu trabalho aqui é uma jornada bem delineada, você consegue ver a jovem Sophie se tornar a majestosa Catherine II com um trabalho muito bem feito de Marlene. Ela vai desde a impostação de seu corpo até a forma como suas feições ganham força.

Quando você alia isso a um filme, claramente o melhor daquele ano que eu vi, que sabe como tratar sua personagem, o que resulta é uma performance poderosa, com muitas nuances e calcada em uma composição certeira. A transição para Catherine é, mesmo sem querer, responsável por um impacto muito forte no espectador.


Greta Garbo, Queen Christina (''Rainha Christina'')

Garbo não foi uma das mais poderosas atrizes do cinema por acaso. Seus traços são impossíveis de esquecer, e em uma performance que demanda presença cênica, ela entrega tudo isso e muito mais. É um caso de magnetismo mesmo, quando a essência da atriz completa a personagem e torna tudo muito poderoso. De alguma forma, Garbo é maior que seu filme.

Porém, ela ajuda a completá-lo com muito primor. E quando existem cenas mais dramáticas, que realmente demandam da atriz, a gente percebe que ela não foi somente uma das maiores estrelas, mas também uma estupenda atriz.

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