sábado, 1 de maio de 2021

Melhor Atriz 1962 - O Milagre de Anne Bancroft


Eu tinha colocado na minha mente que anos falados em exaustão não seriam minha prioridade nessa corrida. E não existe ano mais falado que esse, certo? Afinal, até em minissérie do Ryan Murphy ele foi comentado. Porém, graças a um amigo que chegou nesse fatídico ano, e também porque é bom falar do que é popular, acabei por realizar a análise do ano.

1962 foi o ano que Tarkovsky lançou seu primeiro filme, o Brasil venceu sua única ''Palma de Ouro'' com O Pagador de Promessas, e a maior lenda de Hollywood morreu: Marilyn Monroe. Naquela época, os precursores se dividam, basicamente, entre o New York Film Critics Circle, o National Board of Review e, claro, o Globo de Ouro. Devido a uma greve da mídia impressa, New York não anunciou vencedores naquele ciclo. Com ''Doce Pássaro da Juventude'' lançado em Março de '62 e o Oscar daquele ano só acontecendo em abril, a corrida de Melhor Atriz começou bem cedo, antes mesmo da cerimônia que premiaria os filmes do ano anterior acontecer.

Geraldine Page, indicada naquele cerimônia por ''Summer and Smoke'', era uma atriz chegando aos 40 anos, mas com apenas dois filmes no currículo, ambos lhe renderam indicações ao Oscar. No mês de Junho, há o lançamento de ''The Music Man'', onde Shirley Jones tem um papel substancial, que explode na bilheteria e se torna um dos três maiores lançamentos do ano. No começo do segundo semestre temos o lançamento de ''The Miracle Worker'', o veículo catapultou Anne Bancroft e Patty Duke as graças da crítica, que as laurearam como as grandes atuações do ano até então.


Como sempre, a grande maioria dos filmes do Oscar eram guardados para o fim do ano. Ai no trimestre final, saíram os filmes de Katharine Hepburn (''Long Day's Journey Into Night'', vencedor de Melhor Atriz em Cannes), Shelley Winters (''The Chapman Report'')Melina Mercouri (''Phaedra'', seu filme posterior ao hit ''Never on Sunday''), Bette Davis/Joan Crawford (''What Ever Happened to Baby Jane?''), Rosalind Russell (''Gypsy'') e Lee Remick (''Days of Wine and Roses''). O National Board of Review foi com Anne Bancroft, que também ganhou todos os outros (poucos) prêmios distribuidos no ano.

Naquela época, o Globo de Ouro indicava, até, dez pessoas em uma categoria. E mesmo assim, Joan Crawford foi esnobada. As vencedoras? Geraldine Page (em Drama, que venceu também por ''Summer and Smoke'') e Rosalind Russell (em Comédia/Musical). No dia das nomeações, essas eram as esperadas a entrar na lista:

- Geraldine Page, se o Globo não costumava acertar a vencedora, a premiada era ao menos indicada;
- Rosalind Russell, ''Gypsy'' acabou se tornando um dos hits do começo de '63 e, na época, o fato dela não cantar nada não veio a público; 
- Anne Bancroft, a mais aclamada performance do ano em um filme mais próximo do que a Academia gostava; 
- Bette Davis e/ou Joan Crawford, pelo sucesso do filme e a narrativa de ''comeback'' de ambas;
- Lee Remick, em uma atuação muito elogiada, assim como seu par, Jack Lemmon;
- Shirley Jones, também em um dos grandes hits do ano e, claro, vencedora recente da Academia.

Page, Bancroft, Davis e Remick entraram, junto de Katharine Hepburn, que foi a única indicação de seu filme. ''Gypsy'' e ''The Music Man'' acabaram fracassando nas categorias principais. E porque não Joan Crawford? Dado que quatro das cinco indicadas eram mulher em estão de não-sobriedade, eu presumo que a performance da mesma foi ofuscada pela expansividade de Davis em cena.

Anne Bancroft recebe o Oscar das mãos de Joan Crawford após uma performance de ''Mãe Coragem''

A gente sabe que Bette Davis muito tentou emplacar a narrativa de ''retorno a forma'', o sucesso do filme e tudo mais para se tornar a primeira mulher com três Oscars. Porém, Miracle, mesmo sem ser um grande hit de bilheteria, emplacou nas categorias nobres como Direção e Roteiro, coisa que nenhum dos outros filmes das indicadas chegou nem perto, ouso até dizer que foi o #6 daquela seleção de Melhor Filme. Bancroft também tinha em seu favor uma personagem absurdamente carismática, uma performance fisicamente muito difícil e, acima de tudo, o etarismo da Academia. 

Se hoje a gente está no quarto ano seguido com atrizes acima dos 40/50 vencendo a categoria, naquela época era muito raro alguém acima dos 30 e pouco ganhar. Na verdade, só Marie Dressler (uma lenda do cinema mudo) e Shirley Booth (em uma performance arrasa quarteirão) tinham conseguido o feito. Davis tinha 55, Bancroft tinha 31. Não deu outra, mesmo sem fazer campanha e sem um grande sucesso de bilheteria, Anne se sagrou vencedora e viria a receber mais quatro indicações em sua carreira. Para Davis, foi seu último grande momento. Sobre a ''suposta'' sujeirada de Crawford para impedir a vitória de Bette? Isso eu deixo para vocês assistirem ''Feud'' e tirarem suas próprias conclusões se aconteceu ou não. 

Abaixo, meu ranking das indicadas:


5º Lugar: Lee Remick, Days of Wine and Roses (''Vício Maldito'')

Embora ameace ser uma quase coadjuvante em seu longa, não dá para tirar de Lee Remick a força que ela consegue imprimir em sua atuação, sem nunca ceder a ficar nas sombras de Jack Lemmon. Interpretar uma pessoa alcoolizada não é tarefa fácil, pode sair algo caricatural muito facilmente (Vejam ‘’A Tara Maldita’’ para perceberem), e criar verdade em diálogos tão potentes como o que Lee faz na reta final de seu filme é ainda mais complicado. 

Sua personagem tem fases e nuances, e a atriz está sempre entregando isso com maestria. Tanto que em sua última cena, o espectador tende a torcer muito por ela, dado os vínculos criados até então. Seu último lugar é mais pelo nível da concorrência do que qualquer outra coisa.


4º Lugar: Geraldine Page, Sweet Bird of Youth (''Doce Pássaro da Juventude'') 

Apenas um ano antes, em ‘’Summer and Smoke’’, Geraldine Page fazia uma mulher bastante retraída e introvertida. Aqui, Alexandra Del Lago é totalmente o oposto, é grande, altiva e tem uma língua ferrenha. Ambas personagens são da mente de Tennessee Williams, e as duas são defendidas com fervor por Page. Em ‘’Pássaro’’, Geraldine entrega algo que foge da persona que ela entregou ao longo dos anos na telona (e na telinha). Cada momento de Page em cena é chamativo, ela não precisa levantar o tom, cada palavra é utilizada de forma muito efetivo. E toda vez que ela está em cena com Paul Newman, é um prazer tremendo assistir.

E as suas últimas cenas, em especial a que ela coloca Chance em ‘’seu devido lugar’’, mostram a compreensão dessa loba, não ainda abatida, que habita dentro de Alexandra,, tudo isso expressado através da genialidade de Page. Um 4º lugar de muito respeito.

P.S.: Muita gente não sabe, mas Page também concorreu ao Tony Award por esse papel, e perdeu também para Bancroft fazendo The Miracle Worker.


3º Lugar: Anne Bancroft, The Miracle Worker (''O Milagre de Anne Sullivan'')

O que Bancroft ganha muito nessa seleção é que, sem dúvidas, a sua personagem é que mais se conecta ao público. Ela consegue combinar sua rigidez enquanto uma professora severa com um sentimento verdadeiro de querer uma mudança para a vida dessa menina, que está em uma situação tão difícil, e o sentimento transparece em ambas as situações. É muito real a forma como Bancroft consegue confrontar aquela situação tão complicada, a medida que questiona seus próprios medos e limitações. 

Os olhares para a jovem Hellen Keller são sempre pertinentes, e quando Sullivan consegue progredir em seu ensino, a gente vibra com ela. É uma atuação que precisa de muito mais carisma e ‘’star quality’’ do que, normalmente, citam. Fora, claro, a fisicalidade precisa para realizar diversas cenas ali. Tudo isso, Anne Bancroft tem para dar e vender. Se sua vitória é tão falada por ter derrotado o auge de duas gigantes do cinema, não existe qualquer demérito em sua atuação se avaliada de forma isolada. Pelo contrário, teria sido irretocável em dezenas de outras ocasiões.


2º Lugar: Bette Davis, What Ever Happened to Baby Jane? (''O Que Terá Acontecido A Baby Jane?'')

Tendo visto que coloquei Davis em ‘’A Malvada’’ também em #2 na seleção de 1950, vocês devem achar que odeio Bette Davis. Ledo engano, assim como naquele ano, esse #2 aqui é, basicamente, um 1º lugar. Não é possível assistir ‘’Baby Jane’’ sem ficar embasbacado pela complexidade que Davis entrega a personagem. É uma atuação que reside totalmente no ''over the top'', no extremo, é 100% caricata e, ainda assim, totalmente crível. 

É como se víssemos o psicológico de  Jane transferido para o corpo de Davis. E ainda assim, são nos momentos ‘’menores’’, como as vezes que Jane está sozinha e relembra seus momentos de glória, que Bette entrega as partes mais inspirados de sua performance. Você não aceita as ações de Jane para com Blanche, mas você entende o que a levou até ali. É uma feição, um olhar machucado e solitário. E não existe local mais triste para se viver do que nessas emoções. 

Bette Davis é uma lenda, e ‘’Baby Jane’’ é a prova disso.


1º Lugar: Katharine Hepburn, Long Day Journey’s Into Night (''Longa Jornada Noite Adentro'')

Seria impossível não ter Hepburn no topo da lista, o que ela faz com Mary Tyrone durante todo o longa de Lumet é, para mim, de um brilhantismo intocável. De cara, você percebe o estado quase catatônico que Mary vive. E mesmo assim, a cada novo retorno da câmera a seu rosto, ela consegue ser uma presença imponente. Durante as muitas horas de duração, você embarca numa montanha russa de emoções junto da atriz, que disseca todos os problemas que essa mulher enfrentou e, ainda, enfrenta em sua vida tão conturbada. 

O rosto de Hepburn é uma moldura, uma entrada para as questões de Mary, é o semblante do efeito das drogas na personagem. É quase em estado de transe da atriz, que vai levando o espectador a algo hipnótico ali. Hepburn fica em cena por muito tempo, quando ela sai (por um bom tempo), você sente a sua falta. Só que, obviamente, há um ‘’grand finale’’. Daqueles que poucas atrizes tiveram, e você não tem dúvida alguma do poder cênico de Katharine para com aquela personagem durante toda essa jornada. Brava!

Porém, existem duas atuações daquele ano que mereciam entrar, são elas:


Harriet Andersson, Såsom i en spegel (''Através de um Espelho'')

Só para não falar que estou muito fora da caixinha, ''Espelho'' venceu Filme Internacional e foi indicado em Roteiro. Óbvio que naquela época era muito difícil uma indicação por língua não-inglesa, mas Loren tinha acabado de vencer.

Dizer que Andersson é uma excelente atriz é chover no molhado, todas da trupe de Bergman eram. Porém, em ''Espelho'', ela emula uma fragilidade mental como poucas vezes eu vi no cinema. Existe uma situação de medo, desespero e claustrofobia criado a partir da ambientação e roteiro do Bergman, mas nada disso se sustentaria se não fosse as feições de Harriet em cena. É muito marcante como ela entrega essas sensações de forma quase crua, é grande sem precisar ser. É um excelente registro de atuação não tão recorrente na época, mas que muitos tentam até hoje se igualar.


Melina Mercouri, Phaedra (''Profanação'')

Uns dois anos antes, Melina fez história ao ser o primeiro ator indicado por um filme internacional em uma performance não de língua inglesa. Esse filme era ''Nunca aos Domingos'', de seu marido Jules Dassin. ''Phaedra'' é o primeiro filme após esse grande hit, uma adaptação moderna da tragédia grega de ''Hipólito''. Na época, ela chegou a ter indicações ao Globo de Ouro e ao BAFTA, mas o filme não foi bem aceito como um todo e acabou ficando por aí. Considero injusto, visto que sua atuação é um deleite.

Existe uma mudança drástica no tom de tragédia para puro melodrama, mas Melina é magnética em cena, fica muito claro que a câmera de Dassin a ama, e ela tira muito proveito disso. Ela emana presença em cena, com um poder derivado de sua personagem. Mas não demora para Mercouri se permitir cair e sofrer. E ela faz isso de forma grande, sem receio, é muito gostoso de ver. Sua Fedra nunca diminui a postura, mesmo sofrendo, a altivez da personagem é traduzida por Melina. E isso vai até o fim, em uma atuação marcante o suficiente para poder ter chegado ao Oscar.

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