sábado, 19 de janeiro de 2019

Melhor Atriz 1964 - Canta para mim, meu anjo do Oscar! Canta!

 

A corrida de 1964 é, facilmente, uma das mais populares dentre as de Melhor Atriz, visto que houve uma das maiores reviravoltas do show business nesse ano, sabe qual foi? Vamos nessa! Quando o grandioso hit dos palcos da Broadway que atendia pelo nome de My Fair Lady foi pensado em atingir a grande tela, a decisão sobre quem iria fazer ambos os papéis principais não foi nada fácil. Para o papel de Henry Higgins, Jack Warner (se você viu a minissérie ''Feud'' deve lembrar de Stanley Tucci fazendo o então produtor do filme e chefe da Warner Bros) queria Cary Grant, mas o ator recusou e disse que a única escolha possível era Rex Harrison. E porque ele afirmava isso? Harrison não só era perfeito como Higgins, papel que ele fez por anos no teatro e ganhou até o Tony Award, mas o mesmo também já era um ator em ascensão na indústria, tendo feito filmes como ''Anna e o Rei do Sião'' e recém saído do set de ''Cleópatra''. Porém, mesmo assim Warner foi atrás de Peter O'Toole, que pediu um salário altíssimo e assim fez com que George Cukor conseguisse fazer com que Jack Warner aceitasse ver uma audição de Harrison, foi tiro e queda, o ator ficou com o papel.

Só que essa decisão foi um tiro para as possibilidades de Julie Andrews, que originou com todo o clamor possível o papel da jovem Eliza Doolittle na Broadway ao lado de Harrison, mesmo que toda a imprensa achasse que ela seria escolhida pro papel, Warner não abriu mão de ter Audrey Hepburn no papel. Na época, a já vencedora do Oscar tinha mais de 10 anos de carreira na indústria, contra zero de Andrews, vários hits na conta, um Oscar e, talvez fosse, a maior atriz da época em relação a popularidade. O que o grande produtor não entendia é que uma mulher de quase 35 anos se passando por uma jovem de 17 no cinema não funcionaria bem, mas o que acabou matando tudo foi a constatação, mesmo após diversas aulas de canto, que a voz de Hepburn simplesmente não iria ser capaz de lidar com a trilha do filme. Qual foi a saída? Contratar a ''ghost singer'' mais famosa de Hollywood, a soprano Marni Nixon, para dublar a voz de Hepburn em todo o filme. Audrey ficou desconsolada, mas visto que Nixon já tinha no histórico a dublagem de atrizes como Deborah Kerr em ''O Rei e Eu'' e Natalie Wood em ''Amor, Sublime Amor'', conseguiu acalmar a atriz e seguir com as filmagens.

O que ninguém na Warner esperava é que Andrews fosse conseguir o papel título de Mary Poppins, musical da Disney que também teve seus problemas na produção, mas acabou por ser lançado no mesmo ano de ''My Fair Lady''. Só que em um twist que só existe em indústrias venenosas como essas, não só o ''miscast'' (escalação errada) de Hepburn pela idade foi alvo das críticas da época, mas uma reportagem no New York Times denunciou o uso de Nixon como voz real de Eliza. Foi um total escândalo na época e uma notícia que se alastrou rapidamente. Isso afetou a bilheteria de alguma forma? Não, o filme foi número 1 do ano nas bilheterias, mas com certeza afetou diretamente as chances de Hepburn nas premiações. Até porque, para Jack Warner aprender o que é bom pra tosse, ''Poppins'' foi o 3º maior filme do ano em lucro e a crítica caiu de amores pela forma doce, mas severa que Andrews incorporou na personagem. E se a derrota de Hepburn já começou nos Globos de Ouro, onde ela viu todos ganhando (Filme, Diretor, Ator) e só ela perdendo, justamente para Andrews, no dia das indicações ao Oscar ela se viu esnobada mesmo com ''My Fair'' sendo um dos mais indicados da noite. Nesse cenário, Andrews não tinha qualquer concorrência. As demais concorrentes eram duas recentes vencedoras, Sophia Loren por Matrimônio à Italiana (em um filme falado em italiano e tendo ela vencido três anos antes) e Anne Bancroft por The Pumpkin Eater (ganhadora dois anos antes e mesmo vencedora do Globo de Atriz em Drama, filme só teve essa indicação e impacto nulo), uma indicada surpresa (Kim Stanley, que deve ter derrubado Hepburn, a favorita dos críticos em um filme ''alternativo'' e também única indicação do mesmo) e Debbie Reynolds em sua única indicação na carreira pelo musical The Unsinkable Molly Brown, que fez sucesso mas não no nível dos demais musicais da corrida. 

Aliás, tivesse Hepburn entrado junto de Andrews e Reynolds, teríamos um recorde de atrizes indicadas por musicais em um mesmo ano. E junto de Hepburn, tivemos também a esnobada de Ava Gardner por A Noite do Iguana, um filme de John Huston que fez muito dinheiro, foi muito bem recebido e tinha aparecido em tudo no Globo de Ouro, mas caiu por terra nas categorias principais no Oscar. E a verdade é que as duas estrelas da época, Gardner e Hepburn, não mereciam entrar na categoria, que mesmo com problemas nos filmes, tinha protagonistas excelentes em cena. Sendo assim, vamos ao ranking?


5º Lugar: Debbie Reynolds, The Unsinkable Molly Brown (A Inconquistável Molly)

Uma lenda do cinema como Reynolds precisava ter no currículo ao menos uma indicação ao Oscar, por esse motivo não tenho como reclamar dela nessa seleção. E afinal, mesmo com um filme extremamente datado e alguns momentos bem over (mesmo que intencionalmente), Reynolds incorpora uma caipira, que quer a todo custo ser aceita pela elite de sua cidade, de forma bem honesta dentro do que o filme se propões.

Porém, ''Molly'' é um daqueles musicais com 50 anos de idade que, basicamente, não existe mais. O discurso de dinheiro acima de tudo e o humor absurdamente crasso não casa muito hoje em dia e deve ser das produções populares da época com menor impacto hoje em dia. E para quem não sabe, Molly Brown é a mesma senhora que está em ''Titanic'' feita pela Kathy Bates. A história dela ajudar a salvar várias pessoas realmente é real e até é apresentada no filme de forma catártica, mas mesmo que o final do longa ajude Reynolds de forma bem mais natural, não tenho como colocá-la mais acima.


4º Lugar: Sophia Loren, Matrimonio all'italiana (Matrimônio à Italiana)
  
Confesso a vocês que fiquei bem na dúvida entre colocar Loren, em sua segunda e última - também em italiano - indicação, na terceira ou quarta posição, mas por achar que o terceiro lugar é mais consistente e, por que não dizer icônico, a musa italiana fica mesmo em quarto.

O filme, de Vittorio De Sica, chegou a competir um ano depois como Filme Estrangeiro nessas situações que só a Academia consegue justificar. E, embora eu adore o desenrolar do mesmo, confesso que o fato dele brincar com tantos gêneros (comédia, drama, romance) as vezes prejudica a forma como Loren faz o contato direto com a Filomena, mas não dá para negar a força que essa mulher emanava em cena, muito além de sua beleza e corpo estonteantes, é quase como se Sophia ficasse em eterno contato visual com a câmera de tão inebriante que é a forma como as lentes a capturam.

Acredito que a medida que o filme avança e se encontra cada vez mais, a performance/personagem de Loren se condensam e ela termina em um altíssimo nível, mas até por não ter começado assim, ela fica nessa posição.


3º Lugar: Julie Andrews, Mary Poppins (idem)

É complicado julgar uma personagem e performance tão diferente de qualquer outra na história da categoria, pelo seu viés mais infantil, com performances extremamente dramáticas como as que virão mais alto no meu ranking, e jamais que eu vou menosprezar uma performance no meu gênero favorito. Porém, eu tenho que admitir que o filme original de ''Poppins'' envelheceu mal para mim, e seu ponto irretocável continua sendo somente a forma como Andrews concebe e finaliza o papel da governanta mais famosa do mundo.

E outra, é muito difícil assistir o longa sem sentir o peso de canonicidade que Julie apresenta em cena. Ela consegue balancear a leveza e sutileza de Mary na medida que se mostra também uma mão firme e rigorosa para as principais atividades daquelas crianças, é uma performance que demanda muito ''star quality'' e, claramente, exemplifica bem a definição da palavra ''revelação''.  O que é incrível visto que Andrews não tem uma cena sequer de tristeza para chamar de sua, então ela precisa emanar e expandir sua personalidade sempre em momentos de alegria, o que ela faz como poucas aqui.


2º Lugar: Kim Stanley, Séance on a Wet Afternoon (Farsa Diabólica)

Acho que poucos títulos nacionais conseguem resumir melhor um filme do que o original do mesmo, mas nesse pequeno longa britânico quem quer que tenha dado o nome, simplesmente arrasou. O filme, que poderia se chamar Márcia Sensitiva Vai para Londres, detalha como uma falsa médium planejou e executou, com a ajuda de um marido submisso, a captura de uma jovem rica, apenas para depois ajudar a polícia e a família a encontrar a mesma.

Nisso, Kim Stanley (uma atriz mestre do teatro, mas com apenas cinco filmes no currículo - dois desses renderam indicações ao Oscar), consegue criar a personagem mais interessante dentre todas as indicadas daquele ano. Myra pode ser sagaz, venenosa e o que mais você quiser chamá-la, mas acima de tudo, ela é determinada em concretizar seus planos e a forma dissimulada como ela faz com que todos, eu disse todos!, ajudem ela ou caiam em sua lábia é coisa de gênia em cena.

O filme dialoga sobre vários temas e traz uma discussão bem legal sobre, digamos, limites, mas se tem algo que parece não ter limites é o talento da atriz, que na cena final atinge um poderosíssimo ápice dramático que fica na sua mente muito após a cena ter acontecido. Fantástica.


1º Lugar: Anne Bancroft, The Pumpkin' Eater (Crescei e Multiplicai-vos)

Na segunda das cinco indicações que Bancroft viria a receber no Oscar, e logo após vencer, a atriz se faz presente em um filme muito bizarro, especialmente para o ano que foi concebido. Só para situar vocês o filme tem como mote principal o casamento da personagem de Bancroft não estar muito bem das pernas porque ela vive grávida e ele vive chifrando dela. A partir dessa concepção bem ''vida americana problemática'', embora seja um filme britânico, o diretor Jack Clayton usa e abusa do poderoso rosto de Bancroft para conceber e explicitar a problemática, confusões e dilemas que o filme, inerente em sua totalidade a personagem, traz para nós espectadores.

A forma como Bancroft, uma atriz comumente metódica, consegue soar natural em cena, e nisso comparar ela a uma Debbie Reynolds em ''Molly'' é quase impossível, é de deixar o queixo cair, mas também de dilacerar o coração. É notório o quanto Jo sofre com suas escolhas e sabe que não irá mudar tanto se ela decidir ir por outro caminho, as cenas finais são exemplos quase que seguidos de uma mulher desiludida não só com seu marido, mas com a vida. E em cada uma delas, Anne Bancroft atinge a mais alta potência de forma nada convencional, é extremamente dramática, mas com uma linguagem que não soa datada em nenhuma forma em 2018. É, simplesmente, irrepreensível em todos os aspectos e dignificam bem o nível que essa grandiosíssima atriz foi. 

2 comentários:

  1. Menino, finalmente! Pensei que tivesse morrido. Estava preocupado até.

    Quanto aos filmes: tenho My Fair Lady e é um longa lindo esteticamente mas que envelheceu muito mal. Misoginias e machismo, para dizer o mínimo. Audrey é uma atriz que enche a tela, mas, aqui, a achei caricata. Melhora do meio para o fim.

    Das atrizes finalistas, só vi Madu Poppins e adoro a vitória de Julie Andrews, por ser um filme infantil e ainda assim ela abusar de todos os apetrechos cênicos que um ator deve fazer.

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    1. Hahaha, prometo fazer com mais frequência! a próxima corrida é dos anos 90.

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