sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

REVIEW: Lincoln - Tony Kushner e a força do diálogo.



 Se alguém te chamasse para ir ao cinema ver um filme de duas horas e meia sobre como o maior presidente dos Estados Unidos aboliu com a escratura, você iria? E se você soubesse que esse mesmo filme é dirigido por Steven Spielberg, conhecido pelo ''pieguismo'' e drama barato, e roteirizado por um homem que é conhecido por ter feito uma peça de quase seis horas de duração? Pois é, para muitos só de ler essas descrições já bateu o sono e a preguiça, muitos irão mesmo ter sono durante a projeção, mas para mim, Lincoln (idem, 2012) é a maior surpresa do ano, até agora.

Eu jamais cheguei a me animar com esse filme, talvez por isso ao sair da sessão e me dar conta da magnitude daquele texto e da forma como até o menor dos coadjuvantes recebe um tratamente adequado, fui totalmente arrebatado pelo novo longa de Steven Spielberg. Com a carreira que Spielberg tem e com os tiques narrativos que o diretor já apresentou em obras previamente com caras de ''Oscar'' como Lincoln, eu esperava um tom e atmosfera bem diferente do que foi apresentado. O filme é todo cercado por uma aura de sobriedade que é um excelente reflexo dos elementos essenciais de um filme: a direção, o roteiro, a montagem, os atores e a fotografia. Neste caso, a junção desses elementos de forma rígida (mas jamais ''engessada'') é o que faz dele tão excelente em todos os setores.

Spielberg não é novato, o diretor é declarado amante da arte de fazer chorar, mas sua experiência não o permite que ele use de um artifício tão banal para criar qualquer tipo de empatia entre protagonista e espectador, já que o roteiro e Daniel Day-Lewis fazem isso com maestria. Falando nele, esse maravilhoso elenco tinha mesmo que ser liderado por um homem do porte de Day-Lewis, conhecido por aceitar poucos papéis e ser metódico por completo, a sua caracterização como Lincoln é um sucesso em absolutamente todos os pontos necessários. Não existe uma postura, um andar ou uma palavra que saia da voz de Daniel que não seja calculadamente bem executada e ainda assim, honesta. Seu trabalho de composição é uma inspiração, quase que uma aula, para qualquer ser vivo que pense em atuar, já que por mais técnicas que ele use, a base de tudo ainda é o interior de Abe Lincoln e a humanização do personagem.


Mas, com toda licença a dupla Spielberg e Day-Lewis, me deixem falar do verdadeiro dono do filme: Tony Kushner. Para quem não conhece Kushner, esse senhor é o criador de uma das mais épicas (se não, a mais) peças da história da Broadway, Angels in America. Ele também criou o musical Caroline, or Change (joga esse nome no youtube e vê o primeiro video listado, só pra constar) e foi roteirista de um outro Spielberg muito bom: Munique. Kushner, que começou a trabalhar nesse roteiro desde meados de 2006, se mostra um mestre na diluição de diálogos que acabam por caracterizar os personagens e dão o tom da narrativa do longa. Acima de qualquer coisa, esse filme (ou seu roteiro) jamais é didático, já que em nenhum momento o que se é exposto surge pela necessidade de se auto explicar, mas sim para evidenciar o que aqueles argumentos se valem para a história em questão. 

O maior exemplo desse uso de diálogo em conformidade com a história é Tommy Lee Jones, e já uso esse gancho para comentar sobre a força desse homem no filme. Sério, em alguns momentos em cena, apenas a presença dele é suficiente para exemplificar a ridicularidade daquela câmara e toda entonação usada em seus discursos dignificam aquele homem amargurado com a realidade imposta, e com que força ele faz isso é algo de se admirar. O resto do elenco é todo excelente, destaco também a sempre excelente presença de David Strahairn como secretário de estado, Lee Pace em uma performance deliciosamente irritante e Gloria Reuben que tem um momento de pura sinceridade com Day-Lewis. Percebam que eu não coloquei Sally Field entre os destaques, pois é, no fim das contas a participação de Field me deixou com um sentimento eternamente misto. Mary Todd Lincoln era considerada por muitos uma mulher insanamente perturbada e acho que Field passa isso com um certo louvor, mas por isso ser uma característica da personagem, a atriz sofre por parecer deslocada do restante do filme. Em alguns momentos Sally brilha, como em seu confronto com Lee Jones em que ela distribui veneno a cada abanada de leque, mas em outros, como em sua grande cena com Lincoln, tudo que ela faz e isso inclui chorar, gritar e se debruçar ao chão sucumbe (e soa errado) perante o dominio dramático de Day-Lewis, que precisando sair da sutileza nos entrega o momento mais emocionante do filme. Não irei crucíficá-la, até porque Mary não está sempre ali, mas jamais entenderei os louros que a nossa Regina Duarte americana recebeu lá na terra do tio Sam.



Os figurinos de Joanna Johnston casam perfeitamente com a direção de arte de Rick Carter e Jim Erickson, a montagem de Michael Kahn é tão uniforme que não poderia ter se saido melhor e John Williams (um mestre) vê a sua dinâmica e maravilhosa trilha sendo, quase que, imperceptivelmente penetrada no filme. Só que o aspecto técnico de maior valor aqui é mesmo a fotografia de Janusz Kaminski, acho que qualquer pessoa ao ver o filme perceberá a forma como a luz é usada incessantemente. Esse excesso de jogo de (contra-)luz sempre está lá para elevar um personagem ou colocá-lo como centro daquela cena, é um artifício tão bem bolado e usado no filme que o fato das locações serem todas fechadas deixa de ser um problema e passa a ser uma das melhores sacadas do longa, tirem pela cena que Seward (Stratharin) anda pelo cômodo dando os conselhos para Lincoln e a luz so se sobrepõe a ele e nada mais.

Com um enorme vigor narrativo amparado no poder da palavra, tendo uma parte técnica excelente, um roteiro decidido e um elenco vigoroso, o mais novo filme de Steven Spielberg tem êxito em tudo e ao invés de ser uma aula de história chata, se torna uma aula de cinema daquelas inesquecíveis.

Uma sequência: Abraham Lincoln bate na mesa que estão seus ''conselheiros'' e explica a força do poder e a sua motivação para conseguir aprovar a 13ª emenda. Um vigor de Spielberg, Day-Lewis e Kushner.

Cotação: e 1/2.

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