domingo, 14 de junho de 2020

Melhor Atriz 1987 - Você acredita em Oscar depois de uma esnobada?


A vitória de Cher no Oscar é uma das mais comentadas da categoria, seja por ser um dos raros exemplares de uma atuação ‘’não dramática’’ a vencer o prêmio como também por a mesma ser muito mais reconhecida como cantora do que atriz. Independente disso, voltando para alguns meses antes da cerimônia, Cher nem sempre foi a favorita para levar a estatueta dourada. Uma jovem atriz de nome Holly Hunter começava a ter seu grande momento, com dois filmes no ano, Hunter ganhou a admiração da crítica por sua performance encantadora em ‘’Broadcast News’’ (em um papel que seria de Debra Winger, que engravidou e com certeza teria tido muitas chances por já ser uma veterana), a mesma venceu todos os prêmios da crítica da época, com exceção de um. Ela vinha na crista da onda e muitas pessoas achavam que como seu filme viria para brigar na maior noite do cinema, ela venceria até facilmente. Mal sabia a atriz que muita coisa ia rolar, e que de favorita ao prêmio, ela se tornaria um terceiro lugar.
Uma das vitórias de Hunter foi um empate nos críticos de Los Angeles com a não tão famosa Sally Kirkland. Muitos não devem conhecer Sally, ela não era popular até ali e nunca virou estrela mesmo depois. Porém, o que ela fez com ‘’Anna’’ é uma aula de publicidade. Kirkland acreditou tanto em sua performance que ela contratou um dos principais marqueteiros de Hollywood na época, Dale Olson, e segundo o próprio falou que faria ‘’qualquer coisa, a qualquer hora e em qualquer lugar’’ para chegar ao Oscar. Ele, sem cansar, marcou inúmeras entrevistas, festas e exibições de ‘’Anna’’, nesses eventos chamou gente famosa e a mídia para que elas pudessem elogiar fortemente Kirkland e criar buzz. Saly, não ficou para trás, fez encontros pessoais com cada um dos votantes do Globo de Ouro e chegou a escrever cartas a punho para inúmeros votantes da Academia. Era uma veterana desconhecida do grande público (lembram de Melissa Leo por ‘’O Vencedor’’?) jogando como uma grande em Hollywood.
O que Kirkland não contava era com Cher chegando com tudo para abocanhar esse careca tão desejado. A cantora, que sofreu muito preconceito por seu trabalho na televisão e música, vinha construindo uma excelente carreira nos anos 80 enquanto atriz. Foi ganhadora do Globo em coadjuvante por ‘’Silkwood’’ e venceu Cannes por ‘’Marcas do Destino’’ (por esse último sofreu uma esnobada história da Academia), esse tipo de perfil ajudou com que Cher fosse galgando respeito e sendo levada a sério para chegar a ter uma chance na competição. Porém, não parou por aí, né? A atriz contou com outros 2 grandes projetos naquele mesmo ano (‘’As Bruxas de Eastwick’’ com Jack Nicholson e ‘’Sob Suspeita’’ com Dennis Quaid) e fez tanta campanha quanto Kirkland. Cher chegou a se reunir com seu parceiro de décadas, Sonny Buono, no David Letterman no fim do ano, uma jogada de mestre que muitos admitem ter angariado bons votos para ela. Ter tido um álbum platinado também em '87 não a prejudicou, e ‘’Feitiço da Lua’’, um papel originalmente de Sally Field, fazendo muito dinheiro e caindo nas graças da indústria como um todo ajudou e muito.
Em meio a essa corrida de duas cabeças, é preciso se lembrar de Glenn Close. Se Close hoje é uma performance que muitos consideram injustiçada, na época ela não teve lá muita chance. Embora seu filme (''Atração Fatal'') tenha ficado em primeiro lugar na bilheteria americana por oito semanas seguidas e muitos tenham elogiado sua performance, grupos feministas atacaram o longa pela forma como o mesmo tratou a perspectiva feminina da personagem (‘’Como uma mulher tão profissional pode ser reduzida a uma psicopata dessa forma?’’ Perguntavam alguns). Outras fontes afirmam que a própria personagem gerou uma aversão a muitos votantes masculinos, colunistas atuais afirmam que Alex Forrester não era unanimidade, uns até fofocam que porque muitos votantes tinham suas Alex’s escondidas na vida, prefeririam nem cogitar em premiar tal personagem. E como sempre vimos no Oscar, divisão significa zero prêmios. Mas que assistir Close e Michael Douglas entrarem juntos no Oscar com ela estando com oito meses de gravidez deve ter sido um momento de muita alegria para quem viu seu filme.
Entre as demais cotadas para indicação estavam, principalmente, Lilian Gish e Bette Davis por ‘’As Baleias de Agosto’’, Barbra Streisand por ‘’Querem me Enlouquecer’’ e Joanne Woodward por ‘’Algemas de Cristal’’. Os filmes de Streisand e Woodward decepcionaram bem e é compreensível por que ambas fracassaram nas indicações. Agora, explicar como duas das maiores atrizes do cinema foram deixadas de lado é mais complicado. Gish, especialmente, é difícil de entender: foi a maior atriz do cinema mudo, chegou a vencer um dos maiores prêmios da crítica (empatada com Hunter) e nunca tinha sido indicada na categoria principal. Há quem diga que a divisão de votos entre ambas foi a causa máxima, e não duvido, visto que a Academia viu o filme e indicou a vizinha carismática na categoria coadjuvante. Eles preferiram ir com Meryl Streep em ''Ironweed'', até hoje a única performance da atriz não indicada a absolutamente NADA além do Oscar, isso que a gente chama de amor a toda prova.
Na noite do Oscar as vencedoras dos Globos de drama (Kirkland) e comédia/musical (Cher) eram favoritas. O New York Times já dava Cher com uns dois passos a frente de Kirkland, mas muitos afirmam que foi uma corrida bem apertada. Lá para o fim da premiação, entra Paul Newman e lê o nome de todas as indicadas. Ele faz uma breve respirada e diz o nome de Cher, a atriz falou que pela respirada não seria ela (dado que seu nome tem apenas uma sílaba), mas no fim das contas acabou ganhadora. É triste que o conto de fadas não tenha acontecido para as duas que tanto batalharam, e sofreram dentro da indústria de uma forma ou de outra, mas dado o nome que Cher vinha construindo, a força de seu filme (‘’Feitiço da Lua’’ foi o único filme a vencer mais de um Oscar numa noite que ‘’O Último Imperador’’ fez a rapa) e até a personagem ser algo diferente em meio a tanto drama vencedor na categoria naquela década, é uma vitória muito bonita de existir. Como citado na época ela foi de ‘’cantora pop ridicularizada para protagonista respeitada’’. Amém, Cher!


Meu ranking pessoal:


5º Lugar: Meryl Streep, Ironweed (idem)

Streep entrega uma boa performance, o que não é de estranhar. Porém, tem momentos bons e alguns não tantos, a cena que ela canta ‘’She’s Me Pal’’ é um dos pontos altos do filme. Porém, em alguns momentos de discussão com o personagem de Jack Nicholson quase acaba apelando para uma gritaria qualquer. É interessante perceber que é uma performance que ganha quando Meryl deixa alguns maneirismos de lado e foca no mínimo.
Um problema do todo é que sua personagem aparece com meia hora de filme e some por um pouco mais que isso, acaba fazendo com que ela soe quase como uma ‘’coadjuvante’’, o que não deixa de ser um pouco verdade. Afinal, ‘’Ironweed’’ gira em torno do personagem de Nicholson, que a presença de Streep seja boa suficiente para lhe considerarem protagonista é um feito grande, mas não tanto para ficar acima de ninguém da competição.

4º Lugar: Glenn Close, Fatal Attraction (Atração Fatal)

Deixar Glenn Close em quarto é pedir um linchamento virtual, mas a corrida é muito boa para colocá-la mais acima. Não me entendam mal, essa já é uma excelente performance que seria uma vitória digna e como sabemos, é a mais popular das cinco no decorrer da história. Porém, por uma questão subjetiva, não gosto da forma como o roteiro trata a personagem de Close, quase lidando com isso de forma unidimensional e fazendo com que a própria atriz caia em armadilhas durante a sua composição de Alex Forrester.
É uma personagem bem diferente do que vemos na categoria? Sem dúvidas! E Close defende ela com todas as armas possíveis, mas com um melhor filme para amparar (o que a mesma teria no ano seguinte), seria uma vitória singular e inquestionável. Quase a coloquei em terceiro lugar, mas hoje ela fica em um honroso quarto lugar.




3º Lugar: Cher, Moonstruck (Feitiço da Lua)
Assistir as cinco concorrentes em sequência é deixar claro o quão diferente é tudo que circula Cher. Seu filme, trama e personagens é muito dispare de suas colegas e do Oscar em si. É, quase, muito leve, mas, na verdade, é apenas mega carismático. A comédia sempre vai ser menosprezada em relação ao drama, e talvez até por isso deixei Close abaixo de Cher. É compreensível entender porque todos se apaixonaram pela 'cantora-que-virou-atriz' aqui. É um exemplo bem palpável de carisma e ‘’star quality’’ durante toda a projeção do filme.
Isso quase nunca resulta em um prêmio de Melhor Atriz, mas Cher teve a sorte (e outros elementos) para que o feitiço dela realmente funcionasse aqui. É um belo sopro de ar fresco e uma vitória bem única para a Academia em si.

2º Lugar: Holly Hunter, Broadcast News (Nos Bastidores da Notícia)
A minha dúvida do primeiro lugar é bem real, mas hoje vou deixar a então estreante Holly Hunter como vice-campeã. Uma personagem deliciosa, que requer um enorme alcance de seu intérprete. E Hunter tem muito disso. É drama, comédia, é um conhecimento bem interno do seu texto e da atmosfera de seu filme e Hunter nunca decepciona.
Também acho difícil premiar uma novata de cara, gosto de ter uma performance arrasa quarteirão para me apoiar. Admito que não é o caso aqui, mas ainda é muito bem concebida e executada. Da primeira cena até a última, Hunter se entrega forte para que possamos comprar tudo que está acontecendo. Seja sua relutância em querer se envolver com o personagem de William Hurt até a sua paixão feroz para o que faz. É muito verdadeiro, orgânico e isso é muito lindo de se ver em tela. Seria uma vitória brilhante, mas hoje é meu segundo lugar.

1º Lugar: Sally Kirkland, Anna (idem)
É bem provável que eu goste mais de ‘’Anna’’ do que muita gente. É um filme que, aparenta, trabalhar os moldes de ‘’A Malvada’’, mas nunca o faz de verdade. O projeto tem algumas falhas no roteiro? Sim, mas acho que isso nunca afeta a sua estrela, a estupenda Sally Kirkland.
Atores fazendo papéis de atores é sempre uma jogada fácil em Hollywood, e eu acho que cai que nem um pato na metalinguagem estabelecida aqui. Anna foi uma grande atriz em seu país de nascença, no US ela sofre para ser escalada para algo decente. Kirkland nunca foi alguém muito famosa, mas trabalhava na indústria por mais de duas décadas. Ambas sofrem com o meio, mas não o abandonam por amar algo tão inerente a elas. E acredito que seja isso que faz com que cada momento de raiva, medo, angústia e alegria que Anna precise expressar tenha tanta verdade pelo rosto de Kirkland. Sem ter um momento sequer de histrionismo, tão fáceis de serem encontrados em exemplares da década, que faz com que tudo soe muito genuíno. Kirkland queria muito esse prêmio e, nossa, ela merecia demais.


Porém, se eu pudesse indicar alguém?

Barbra Streisand, Nuts (Querem me Enloquecer)
A maioria das pessoas conhecem Barbra Streisand por seus papéis musicais, e não é por acaso. Em uma carreira que começou em 68 e tem apenas 20 filmes, conta-se em uma mão quantos são dramáticos. Porém, ‘’Querem me Enlouquecer’’ é um deles, e é maravilhoso. O filme é bem na caixinha, baseado em uma peça e talvez tenha até cara de filme para televisão.
Só que Streisand fazendo drama é um puro deleite, ela aparenta se divertir tanto e tem uma presença cênica tão absoluta que é impossível tirar os olhos dela. Se você adiciona isso a um personagem em um julgamento sobre sua própria sanidade mental é ouro puro em forma de atuação. As cenas que Streisand confronta o promotor e, logo após, explica ao juiz sobre o que é '' o normal'' são suficientes para garantir qualquer indicação daquele ano. Um arroubo de atriz, de fato.

Maggie Smith, The Lonely Passion of Judith Hearne (Paixão Solitária)
A imagem de Maggie Smith para muitos é de uma velhinha com língua bem afiada, recomendo a todos assistirem a esse filme para perceber porque muitos a consideram uma das maiores atrizes britânicas de todos os tempos. Smith emprega uma atuação muito comedida de uma mulher que reprime muitas coisas na vida, alguém tão prejudicada por não ter liberdade que em alguns momentos beira ao constrangimento ao espectador.
E a atriz não nos poupa da gama de emoções que essas privações passam em tela. Ela precisa lidar com perda, engano, falta de amor próprio e mais inúmeras situações, e não existe uma nota falsa sequer em seu brilhante entendimento da personagem. O filme, bem decente, existe só por Smith e ela encontra em Judith um tipo muito singular de timidez. É uma performance forte demais que ganha o espectador em uma crescente, muito bonita mesmo de se ver. Uma pena, que dada a distribuidora pequena, quase ninguém foi capaz de reconhecer essa arrebatadora atuação, que para mim, rivaliza com Hunter e Kirkland como a melhor daquele ano.

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