A vitória de Cher no Oscar é uma das mais comentadas da categoria, seja
por ser um dos raros exemplares de uma atuação ‘’não dramática’’ a vencer o
prêmio como também por a mesma ser muito mais reconhecida como cantora do que
atriz. Independente disso, voltando para alguns meses antes da cerimônia, Cher
nem sempre foi a favorita para levar a estatueta dourada. Uma jovem atriz de
nome Holly Hunter começava a ter seu grande momento, com dois filmes no ano,
Hunter ganhou a admiração da crítica por sua performance encantadora em
‘’Broadcast News’’ (em um papel que seria de Debra Winger, que engravidou e com
certeza teria tido muitas chances por já ser uma veterana), a mesma venceu todos
os prêmios da crítica da época, com exceção de um. Ela vinha na crista da onda
e muitas pessoas achavam que como seu filme viria para brigar na maior noite do
cinema, ela venceria até facilmente. Mal sabia a atriz que muita coisa ia rolar, e
que de favorita ao prêmio, ela se tornaria um terceiro lugar.
Uma das vitórias de Hunter foi um empate nos críticos de Los Angeles com
a não tão famosa Sally Kirkland. Muitos não devem conhecer Sally, ela não era
popular até ali e nunca virou estrela mesmo depois. Porém, o que ela
fez com ‘’Anna’’ é uma aula de publicidade. Kirkland acreditou tanto em sua
performance que ela contratou um dos principais marqueteiros de Hollywood na
época, Dale Olson, e segundo o próprio falou que faria ‘’qualquer coisa, a
qualquer hora e em qualquer lugar’’ para chegar ao Oscar. Ele, sem cansar,
marcou inúmeras entrevistas, festas e exibições de ‘’Anna’’, nesses eventos
chamou gente famosa e a mídia para que elas pudessem elogiar fortemente
Kirkland e criar buzz. Saly, não ficou para trás, fez encontros pessoais com
cada um dos votantes do Globo de Ouro e chegou a escrever cartas a punho para inúmeros
votantes da Academia. Era uma veterana desconhecida do grande público (lembram
de Melissa Leo por ‘’O Vencedor’’?) jogando como uma grande em Hollywood.
O que Kirkland não contava era com Cher chegando com tudo para abocanhar
esse careca tão desejado. A cantora, que sofreu muito preconceito por seu
trabalho na televisão e música, vinha construindo uma excelente carreira nos
anos 80 enquanto atriz. Foi ganhadora do Globo em coadjuvante por ‘’Silkwood’’
e venceu Cannes por ‘’Marcas do Destino’’ (por esse último sofreu uma esnobada história da Academia), esse tipo de perfil ajudou com que Cher
fosse galgando respeito e sendo levada a sério para chegar a ter uma chance na competição. Porém, não parou por
aí, né? A atriz contou com outros 2 grandes projetos naquele mesmo ano (‘’As
Bruxas de Eastwick’’ com Jack Nicholson e ‘’Sob Suspeita’’ com Dennis Quaid) e
fez tanta campanha quanto Kirkland. Cher chegou a se reunir com seu parceiro de
décadas, Sonny Buono, no David Letterman no fim do ano, uma jogada de mestre
que muitos admitem ter angariado bons votos para ela. Ter tido um álbum platinado também em '87 não a prejudicou, e ‘’Feitiço da Lua’’, um
papel originalmente de Sally Field, fazendo muito
dinheiro e caindo nas graças da indústria como um todo ajudou e muito.
Em meio a essa corrida de duas cabeças, é preciso se lembrar de Glenn
Close. Se Close hoje é uma performance que muitos consideram injustiçada, na
época ela não teve lá muita chance. Embora seu filme (''Atração Fatal'') tenha ficado em primeiro
lugar na bilheteria americana por oito semanas seguidas e muitos tenham
elogiado sua performance, grupos feministas atacaram o longa pela forma como o
mesmo tratou a perspectiva feminina da personagem (‘’Como uma mulher tão
profissional pode ser reduzida a uma psicopata dessa forma?’’ Perguntavam
alguns). Outras fontes afirmam que a própria personagem gerou uma aversão a
muitos votantes masculinos, colunistas atuais afirmam que Alex Forrester não
era unanimidade, uns até fofocam que porque muitos votantes tinham suas Alex’s
escondidas na vida, prefeririam nem cogitar em premiar tal personagem. E como sempre vimos no Oscar, divisão significa zero prêmios.
Mas que assistir Close e Michael Douglas entrarem juntos no Oscar com ela estando com
oito meses de gravidez deve ter sido um momento de muita alegria para quem viu
seu filme.
Entre as demais cotadas para indicação estavam,
principalmente, Lilian Gish e Bette Davis por ‘’As Baleias de Agosto’’, Barbra
Streisand por ‘’Querem me Enlouquecer’’ e Joanne Woodward por ‘’Algemas de
Cristal’’. Os filmes de Streisand e Woodward decepcionaram bem e é
compreensível por que ambas fracassaram nas indicações. Agora, explicar como
duas das maiores atrizes do cinema foram deixadas de lado é mais complicado.
Gish, especialmente, é difícil de entender: foi a maior atriz do cinema mudo,
chegou a vencer um dos maiores prêmios da crítica (empatada com Hunter) e nunca
tinha sido indicada na categoria principal. Há quem diga que a divisão de votos
entre ambas foi a causa máxima, e não duvido, visto que a Academia viu o filme
e indicou a vizinha carismática na categoria coadjuvante. Eles preferiram ir
com Meryl Streep em ''Ironweed'', até hoje a única performance da atriz não
indicada a absolutamente NADA além do Oscar, isso que a gente chama de amor a
toda prova.
Na noite do Oscar as vencedoras dos Globos de drama (Kirkland) e
comédia/musical (Cher) eram favoritas. O New York Times já dava Cher com uns
dois passos a frente de Kirkland, mas muitos afirmam que foi uma corrida bem
apertada. Lá para o fim da premiação, entra Paul Newman e lê o nome de todas as
indicadas. Ele faz uma breve respirada e diz o nome de Cher, a atriz falou que pela
respirada não seria ela (dado que seu nome tem apenas uma sílaba), mas no fim das contas acabou ganhadora. É triste que o
conto de fadas não tenha acontecido para as duas que tanto batalharam, e
sofreram dentro da indústria de uma forma ou de outra, mas dado o nome que Cher
vinha construindo, a força de seu filme (‘’Feitiço da Lua’’ foi o único filme a
vencer mais de um Oscar numa noite que ‘’O Último Imperador’’ fez a rapa) e até
a personagem ser algo diferente em meio a tanto drama vencedor na categoria
naquela década, é uma vitória muito bonita de existir. Como citado na época ela
foi de ‘’cantora pop ridicularizada para protagonista respeitada’’. Amém, Cher!
Streep entrega uma boa performance, o que não é de estranhar. Porém, tem momentos bons e alguns não tantos, a cena que ela canta ‘’She’s Me Pal’’ é um dos pontos altos do filme. Porém, em alguns momentos de discussão com o personagem de Jack Nicholson quase acaba apelando para uma gritaria qualquer. É interessante perceber que é uma performance que ganha quando Meryl deixa alguns maneirismos de lado e foca no mínimo.
5º Lugar: Meryl Streep, Ironweed (idem)
Streep entrega uma boa performance, o que não é de estranhar. Porém, tem momentos bons e alguns não tantos, a cena que ela canta ‘’She’s Me Pal’’ é um dos pontos altos do filme. Porém, em alguns momentos de discussão com o personagem de Jack Nicholson quase acaba apelando para uma gritaria qualquer. É interessante perceber que é uma performance que ganha quando Meryl deixa alguns maneirismos de lado e foca no mínimo.
Um problema do todo é que sua personagem
aparece com meia hora de filme e some por um pouco mais que isso, acaba fazendo
com que ela soe quase como uma ‘’coadjuvante’’, o que não deixa de ser um pouco
verdade. Afinal, ‘’Ironweed’’ gira em torno do personagem de Nicholson,
que a presença de Streep seja boa suficiente para lhe considerarem protagonista
é um feito grande, mas não tanto para ficar acima de ninguém da competição.
4º Lugar: Glenn Close, Fatal Attraction (Atração Fatal)
Deixar Glenn Close em quarto é pedir um
linchamento virtual, mas a corrida é muito boa para colocá-la mais acima. Não
me entendam mal, essa já é uma excelente performance que seria uma vitória
digna e como sabemos, é a mais popular das cinco no decorrer da história. Porém,
por uma questão subjetiva, não gosto da forma como o roteiro trata a personagem
de Close, quase lidando com isso de forma unidimensional e fazendo com que a
própria atriz caia em armadilhas durante a sua composição de Alex Forrester.
É uma personagem bem diferente do que vemos na
categoria? Sem dúvidas! E Close defende ela com todas as armas possíveis, mas
com um melhor filme para amparar (o que a mesma teria no ano seguinte), seria
uma vitória singular e inquestionável. Quase a coloquei em terceiro lugar, mas
hoje ela fica em um honroso quarto lugar.
3º Lugar: Cher, Moonstruck (Feitiço da Lua)
Assistir as cinco concorrentes em sequência é
deixar claro o quão diferente é tudo que circula Cher. Seu filme, trama e
personagens é muito dispare de suas colegas e do Oscar em si. É, quase, muito
leve, mas, na verdade, é apenas mega carismático. A comédia sempre vai ser
menosprezada em relação ao drama, e talvez até por isso deixei Close abaixo de
Cher. É compreensível entender porque todos se apaixonaram pela 'cantora-que-virou-atriz' aqui. É um exemplo bem palpável de carisma e ‘’star
quality’’ durante toda a projeção do filme.
Isso quase nunca resulta em um prêmio de
Melhor Atriz, mas Cher teve a sorte (e outros elementos) para que o feitiço
dela realmente funcionasse aqui. É um belo sopro de ar fresco e uma vitória bem
única para a Academia em si.
A minha dúvida do primeiro lugar é bem real,
mas hoje vou deixar a então estreante Holly Hunter como vice-campeã. Uma
personagem deliciosa, que requer um enorme alcance de seu intérprete. E Hunter
tem muito disso. É drama, comédia, é um conhecimento bem interno do seu texto e
da atmosfera de seu filme e Hunter nunca decepciona.
Também acho difícil premiar uma novata de
cara, gosto de ter uma performance arrasa quarteirão para me apoiar. Admito que
não é o caso aqui, mas ainda é muito bem concebida e executada. Da primeira
cena até a última, Hunter se entrega forte para que possamos comprar tudo que
está acontecendo. Seja sua relutância em querer se envolver com o
personagem de William Hurt até a sua paixão feroz para o que faz. É muito
verdadeiro, orgânico e isso é muito lindo de se ver em tela. Seria uma
vitória brilhante, mas hoje é meu segundo lugar.
É bem provável que eu goste mais de ‘’Anna’’
do que muita gente. É um filme que, aparenta, trabalhar os moldes de ‘’A Malvada’’,
mas nunca o faz de verdade. O projeto tem algumas falhas no roteiro? Sim, mas
acho que isso nunca afeta a sua estrela, a estupenda Sally Kirkland.
Atores fazendo papéis de atores é sempre uma
jogada fácil em Hollywood, e eu acho que cai que nem um pato na metalinguagem
estabelecida aqui. Anna foi uma grande atriz em seu país de nascença, no US ela
sofre para ser escalada para algo decente. Kirkland nunca foi alguém muito
famosa, mas trabalhava na indústria por mais de duas décadas. Ambas sofrem com
o meio, mas não o abandonam por amar algo tão inerente a elas. E acredito que
seja isso que faz com que cada momento de raiva, medo, angústia e alegria que
Anna precise expressar tenha tanta verdade pelo rosto de Kirkland. Sem ter um momento sequer de histrionismo, tão fáceis de serem encontrados em exemplares da
década, que faz com que tudo soe muito genuíno. Kirkland queria muito esse prêmio e, nossa,
ela merecia demais.
Porém, se eu pudesse indicar alguém?
A maioria das pessoas conhecem Barbra
Streisand por seus papéis musicais, e não é por acaso. Em uma carreira que começou
em 68 e tem apenas 20 filmes, conta-se em uma mão quantos são dramáticos.
Porém, ‘’Querem me Enlouquecer’’ é um deles, e é maravilhoso. O filme é bem na
caixinha, baseado em uma peça e talvez tenha até cara de filme para televisão.
Só que Streisand fazendo drama é um puro
deleite, ela aparenta se divertir tanto e tem uma presença cênica tão absoluta
que é impossível tirar os olhos dela. Se você adiciona isso a um personagem em
um julgamento sobre sua própria sanidade mental é ouro puro em forma de atuação.
As cenas que Streisand confronta o promotor e, logo após, explica ao juiz sobre
o que é '' o normal'' são suficientes para garantir qualquer indicação daquele ano. Um
arroubo de atriz, de fato.
A imagem de Maggie Smith para muitos é de uma
velhinha com língua bem afiada, recomendo a todos assistirem a esse filme para
perceber porque muitos a consideram uma das maiores atrizes britânicas de todos
os tempos. Smith emprega uma atuação muito comedida de uma mulher que reprime
muitas coisas na vida, alguém tão prejudicada por não ter liberdade que em
alguns momentos beira ao constrangimento ao espectador.
E a atriz não nos poupa da gama de emoções que
essas privações passam em tela. Ela precisa lidar com perda, engano, falta de
amor próprio e mais inúmeras situações, e não existe uma nota falsa sequer em
seu brilhante entendimento da personagem. O filme, bem decente, existe só por
Smith e ela encontra em Judith um tipo muito singular de timidez. É uma
performance forte demais que ganha o espectador em uma crescente, muito bonita
mesmo de se ver. Uma pena, que dada a distribuidora pequena, quase ninguém foi
capaz de reconhecer essa arrebatadora atuação, que para mim, rivaliza com Hunter e Kirkland como a melhor daquele ano.
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