terça-feira, 30 de junho de 2020

Melhor Atriz 1946 - Os 104 anos de Olivia de Havilland ou como ela quebrou a indústria


Não fosse o fato de que Gloria Stuart teve que largar uma produção de Sonhos de uma Noite de Verão poucos dias antes da mesma estrear, talvez Olivia de Havilland nunca tivesse sido vista pelos executivos da Warner Bros. e levada para as telonas. Felizmente, isso aconteceu e a jovem atriz assinou um contrato de longos sete anos e estreou, justamente, com uma adaptação de Sonhos. Olivia poderia jurar que sua vida seria baseada em Shakespeare (afinal, a mesma estudou muito isso), mas ela acabou se vendo em papéis unidimensionais de jovens doceis, sem muita atitude e muitas vezes na companhia de sua dupla mais famosa, o ator Errol Flynn.

Ao ser emprestada para o produtor Selznick, a atriz viu seu sonho se realizar ao fazer um papel que lhe trouxe realização profissional e prestígio ao mesmo tempo: Melanie em ... E O Vento Levou. De Havilland foi indicada ao Oscar como atriz coadjuvante pelo papel e após perder o prêmio para sua colega de elenco, Hattie McDaniel, precisou ser arrastada para a cozinha do hotel de tanto que chorava. Ao chegar em casa a mesma afirma ter dito para si mesma: ''Que bom que você perdeu. Não é justo que você ganhe um prêmio de atriz coadjuvante, você não é uma. E é justo que uma atriz coadjuvante ganhe contra uma atriz principal em um papel quase protagonista''. O que a atriz não esperava era que ao retornar a Warner Bros., seus papéis ruins estariam esperando por ela de braços abertos. Irritada, Olivia se negou a fazer diversos papéis e recebeu de retaliação de Jack Warner (lembrem de Stanley Tucci em Feud) uma suspensão de seis meses, quando seu contrato de sete anos com a casa terminou em 1943, lhe foi informado que ela teria que trabalhar os seis a mais que foi suspensa. 

Com uma dica do ator-que-viraria-presidente Ronald Reagan, Olivia descobriu que existia uma lei no estado que impedia que qualquer contrato fosse maior que sete anos, pois caracterizaria escravidão. A justiça apoiou Olivia e até hoje a decisão favorável é conhecida como ''A Lei De Havilland''. Mesmo que Jack Warner tenha feito uma campanha que deixou a atriz sem emprego por quase dois anos, essa ação mudou totalmente Hollywood pela perda na força que os estúdios tinham com os atores. Olivia ganhou liberdade artística e respeito de seus colegas, inclusive de sua distante irmã Joan Fontaine, que declarou: ''Hollywood deve muito a Olivia''. Livre, leve e solta, Olivia começou a escolher projetos que realmente lhe desafiavam e em 1946 ela se viu dividida entre dois projetos para fazer campanha: o noir The Dark Mirror, onde ela interpreta gêmeas, e To Each His Own, que a atriz faz uma mãe que precisa abandonar o filho e vê-lo crescer de longe para evitar escândalo. Com a ajuda do publicista (Henry C. Rogers) que venceu a categoria um ano antes de forma genial para Joan Crawford, Olivia escolheu o papel mais dramático.

Em To Each His Own, a atriz começou a empregar uma atuação mais metódica e isso resultou em fartos elogios. E ainda com a boa vontade de seus colegas pela grande batalha que travou, nem mesmo Rosalind Russell (ganhadora do Globo de Ouro e segundo lugar fácil daquela noitequase falando que ela mesmo salvou crianças da poliomielite em Sister Kenny ou a aclamação de Celia Johnson (ganhadora do prêmio da crítica de New York) no pequeno, mas notável Brief Encounter foram capazes de derrotar Olivia naquela noite. Uma noite marcada também pela atriz se negar a abraçar a irmã nos bastidores, porque a mesma disse dias antes a toda a imprensa que o marido de Olivia já tinha tido ''umas três ou quatro esposas antes dela''. Porém, nem isso tiraria a alegria de Olivia em finalmente vencer seu estimado Oscar em um belíssimo vestido azul com flores bordadas.

Ranking pessoal:


5º Lugar: Jennifer Jones, Duel in the Sun (''Duelo ao Sol'')

Mal escalada e não sobrevivente do teste do tempo, Jennifer Jones é uma das atuações mais fracas indicadas ao Oscar na categoria principal. Ela faz uma mulher metade indígena, metade mexicana (com leve bronzeamento que beira ''white-washing'') em uns dez tons acima até mesmo para a própria época. Porém, Jones também não convence em seu ''sex appeal'' e poucas vezes entrega algo com verdade, é verdadeiro show de maneirismos exagerados e pouco sentimento acertado. 

Existem sim momentos que ela dá uma respirada e entrega quase o que é necessário, mas são muito poucos para que ela mereça sequer uma indicação ao Oscar, quanto mais alguma posição além da última nessa seleção.


4º Lugar: Jane Wyman, The Yearling (''Virtude Selvagem'')

Em um filme que conta a história de um jovem menino que decide criar um cervo bebê e isso transparecer ao espectador como um ''coming-of-age'', a atriz entrega uma atuação bem bonita, em um personagem nada carismática, que consegue imprimir a ‘’rigorosidade’’ necessária a mãe da criança. Wyman, no fim das contas, acaba tendo momentos bem fortes dado as provações que ela sofre durante o filme, especialmente as cenas com seu filho ou quando precisa ser dura até com seu marido. 

Porém, é uma coadjuvante em seu próprio filme e fica em quarto lugar por fazer algo bem decente, mas sem também nunca ser memorável. Merece mais que um quarto lugar? Não! Merecia uma indicação em protagonista? Também não, mas só por nunca passar vergonha em cena, a atriz já merece um lugar acima de Jennifer Jones, que, aliás, divide o protagonista masculino (Gregory Peck) com Jane.


3º Lugar: Rosalind Russell, Sister Kenny (''Sacrifício de uma Vida'')

Assim como Olivia, Russell também passa por diversas décadas da vida de sua personagem, ela precisa utilizar várias camadas de maquiagem e nem sempre essa muleta acaba por ajudar o ator. Aqui, ela é um excelente apoio para a atriz. E se Rosalind não tem a mesma efetividade de composição da ganhadora do ano, ainda assim sobra muita presença cênica que sustenta o filme todo.

A trama conta a história de Elizabeth Kenny, uma enfermeira real, que criou um tratamento alternativo para a poliomielite, mas que sempre foi menosprezado pelos médicos da época. No começo, a personagem quase se rende e vira um arquétipo, mas Rosalind nunca deixa isso acontecer por completo, empregando escolhas importantes para que essa enfermeira ganhe vida e pulse com um ser humano real. No fim, é a efetividade e bravura que a atriz entrega a personagem que vale a visita ao longa, tão banal nos demais aspectos.


2º Lugar: Olivia de Havilland, To Each His Own (''Só Resta uma Lágrima'')

O elo entre uma mãe e seu filho é algo que sempre me interessa, não por acaso, Olivia entrega aqui uma belíssima atuação sobre esse tipo de relação que é sempre um encanto de assistir. Muito mais contida do que os anos pediam para ela ser, Olivia já começa a trabalhar aqui um tipo de performance que viria a ser empregada mais fortemente a partir dos anos 50. É um trabalho de método quase psicológico e distintivo, a atriz chegou a utilizar um perfume para cada etapa de sua personagem, e isso se mostra em tela. 

Você consegue individualizar a atuação como uma excelente crescente e entendimento da personagem a medida que os anos vão passando, até a modulação vocal de Jody altera junto de sua maquiagem. É uma composição muito inteligente, impecavelmente executada e que se sustenta até os dias de hoje.


1º Lugar: Celia Johnson, Brief Encounter (''Desencanto'')

Não tem muito para onde correr, é muito difícil assistir ao filme de David Lean e não se impressionar com o que a britânia entrega nele. Não só eu poderia falar o quão internalizada e sutil, e logo, moderna, é a forma como Johnson encara sua personagem, o que a difere completamente de suas concorrentes, mas tem um ponto que eu acho crucial na forma que ela conduz sua atuação: é a capacidade de inferir a emoção correta de acordo com a própria narração de seu filme. 

Ao longo da película, você começar a notar que Celia sincroniza de forma perfeita seu rosto com a narração da personagem. Isso faz com que seus problemas, medos, questionamentos e tudo mais esteja estampado em sua face. É um tipo de atuação que, se você retirar todo e qualquer áudio do filme, ainda assim será capaz de compreender os sentimentos da personagem. Cada nova nuance é muito bem empregada e executada, um sopro de ar fresco para época, que não envelheceu nada e ainda encanta mesmo nos dias atuais. E que, talvez, até por isso tenha prevenido uma chance maior de vitória da atriz.

P O R É M,
E se eu pudesse substituir indicadas daquele ano por escolhas pessoais e mais ousadas?

Em uma década permeada pelos melodramas e a posição da mulher definida como frágil ou a deriva, o cinema noir colocava atrizes em papéis transgressores que exaltavam uma mudança no status quo. Com isso em mente, eu retiraria Jones, Wyman Russell e substituiria pelas três performances abaixo, exemplares magníficos de um tipo de filme a frente de seu tempo:


Ingrid Bergman, Notorious (''Interlúdio'')

Indicada nos três anos anteriores, com direito a uma vitória, Bergman entrega aqui uma das performances mais emblemáticas do cinema de Hitchcock. A jovem Alice navega por um oceano de paixão, intriga e maldade e a atriz acompanha isso com o carisma e talento que a personagem requer, dividindo a tela com, ninguém menos, Cary Grant e nunca deixando se apagar.

A forma como Bergman se abre e vai se entregando a personagem é muito intrínseco ao que o espectador está sendo jogado. Quando a gente se dá conta, já estamos imersos na trama, apaixonados pela atriz e sua personagem e ficamos embasbacados com a cena do café perto do fim do longa. É de tirar o chapéu.


Rita Hayworth, Gilda (idem)

A performance da estonteante Hayworth em ''Gilda'' deve ser a mais famosa desse ano. Gilda é a essência de uma ''femme fatale'' e basta um jogar de cabelo para trás, para que saibamos o poder de Rita. A personagem é apaixonada, mas muito segura. Sexy, mas sem deixar de demonstrar fragilidade. 

E tudo isso é muito fácil de ser deixado de lado simplesmente porque a atriz que a defende é uma beldade, mas está tudo ali em cena. Rita o faz com unhas e dentes e capta toda a energia necessária para fazer de sua passagem, um marco na tela.


Lana Turner, The Postman Always Rings Twice (''O Destino Bate à Porta'')

Um rosto irresistível, um platinado marcante e um traje de banho arrebatador são alguns dos artifícios que Mrs Lana Turner utiliza para não deixar o espectador tirar os olhos dela.

Sua Cora é amorosa, verdadeira e quase vira uma mocinha quando se mostra apaixonada, mas é também capaz de armar um plano para matar seu marido, explodir em ódio por ser traída e chorar de coração partido ao pedir desculpas. E eu compro todas as cenas que Turner faz alguma dessas reviravoltas porque, acima de tudo, ela mesmo acredita em sua personagem. Uma personagem tão diferente e hipnotizante que é, quase, impossível esquecer.

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