segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Melhor Atriz 1990 - Uma glória feita de terror

 


Quando olhamos hoje para o que a performance de Kathy Bates em ''Louca Obsessão'' representa para o cinema, fica difícil de imaginar que sua vitória foi uma considerável surpresa? Pois é, mas dois pontos chaves explicam porque naquela fatídica noite, nenhuma das favoritas se chamava Kathy Bates. Vem comigo!

1º) Kathy Bates é o que a a indústria chama de ''character actress''. E o que é isso? Em resumo, é um tipo de perfil na indústria para pessoas que não se encaixam nos padrões que estão os ''protagonistas'' e, normalmente, são relegados a papéis de coadjuvante. Perceba como todas as ganhadoras de Melhor Atriz normalmente são mulheres bem jovens (brancas e magras!) ou que um dia já foram assim. Kathy Bates é uma mulher gorda, sabe quantas dessas venceram o Oscar em geral? Apenas 4, sendo Kathy a única a vencer na categoria principal. E poucos diriam que ela é uma atriz dentro do que Hollywood categoriza como beleza. Só por isso, ela já estaria atrás numa corrida para o grande prêmio da noite.

P.s.: As demais foram Hattie McDaniel, Mo’Nique e Octavia Spencer em papéis coadjuvantes.

2º) Preconceito com ''gênero''. A Academia sempre se mostrou muito suscetível a indicar e premiar certos tipos de filmes. Além dos dramas que são tão categoricamente considerados standards do que é filme de qualidade, eles sempre curtiram musicais e obras de faroeste, mesmo que em menor escala. Porém, qualquer coisa que fuja desse escopo já ganha uma enorme barreira no Oscar. Filmes de terror/horror/suspense são, talvez, os mais prejudicados junto dos filmes de comédia. Tanto é que, muitos não sabem, mas Bates foi também a primeira atriz a vencer a categoria principal em um filme do gênero. Tá ouvindo, Mia Farrow? Sente o cheiro, Ellen Burstyn!

As favoritas da noite eram prévias vencedoras: Anjelica Huston por ''Os Imorais'' e Joanne Woodward por ''Cenas de uma Família''. Porém, acredito que Woodward nunca teve muita chance, ela era a única indicação de seu filme e era uma vencedora prévia da categoria, e como vimos por décadas, vencer um segundo Oscar (especialmente como protagonista) normalmente só ocorre quando se está em filmes indicados nas grandes categorias. Já Huston deve ter brigado por aquela estatueta até o último momento, visto que naquela época ela era uma das maiores. Ela era vencedora prévia em coadjuvante, estrelando grandes produções (''Convenção das Bruxas'' também é de 90', por exemplo) e seu filme entrou até em Melhor Diretor.

Então, porque ela perdeu? Do ponto de vista de Huston, seu filme era esperado até em Melhor Filme e que ganhasse algo, mas ficou de fora da grande categoria e saiu sem nada. Logo, pode ser que o ''não amor'' ao filme, e até mesmo o Oscar prévio de Huston, tenham contribuído para sua derrota. Enquanto que Bates, mesmo sendo a única indicação de ''Louca Obsessão'', tinha uma enorme bilheteria para ajudá-la, o fator que sua performance foi realmente muito aclamada (não por acaso ela é considerada top 10 de vilãs do cinema americano pelo Instituto de Filmes Americanos), venceu o Globo de Ouro daquele ano e estava presente, como coadjuvante, em alguns filmes da corrida, o que mostra que ela não era uma total desconhecida. E é interessante que existe um paralelo entre Woodward/Huston vs Bates: as duas primeiras são realeza em Hollywood, Woodward era casada com o ator Paul Newman e Huston era filha do diretor John Huston, enquanto que Bates veio de baixo e era muito mais uma ''outsider''. Visto que a performance de Bates hoje em dia é considerada canônica não só no gênero, mas no cinema em si, podemos dizer que essa vitória fora da caixinha foi um belíssimo acerto do Oscar.

Dentre as demais indicadas da categoria estavam duas ''fillers'': Julia Roberts por ''Uma Linda Mulher'' e Meryl Streep por ''Lembranças de Hollywood''. Roberts tinha o maior hit do ano, mas sua performance era daquelas que vencem Globo de Ouro em Comédia/Musical, mas para por aí, ao menos a nível de premiações. E Streep nem esperada por muitos era, mas como ela já provou por diversas vezes, nunca aposte contra essa mulher quando se trata de Oscar. 

Em se tratando de esnobadas, basicamente só tivemos uma, que também é a minha escolha como ‘’indicada que não aconteceu’’ do ano, mas falarei mais ao fim do post. Dentre as demais, possíveis, esnobadas estavam filmes não tão elogiados, mas com protagonistas até amadas. Foi esse o caso dos dois filmes que Bates se destacou como coadjuvante, ''Mulher Até o Fim'' com Jessica Lange e ''Loucos de Paixão'' com Susan Sarandon. Debra Winger foi considerada pelo grandioso filme de Bernardo Bertolucci (''O Céu que nos Protege''), mas assim como os demais, acabou que o projeto nunca decolou voo. 

Depois de toda essa conversa, estão prontos para o meu ranking? Vamos lá!



5º Lugar: Meryl Streep, Postcards from the Edge (''Lembranças de Hollywood'')

Não é que Streep esteja ruim em seu filme, ela tem uma atuação bem digna da atriz que todos conhecemos. Porém, nada na personagem ou na forma como ela traz a mesma para vida é algo novo, é um tipo de registro bem feito, profissional, com um ou outro momento acima da média, mas nada que Meryl não consiga fazer sorrindo.  

Suzanne é inspirada na atriz Carrie Fisher, e sendo ambas as atrizes amigas, com certeza existe uma impregnação da doçura e confusão da própria Fisher na atuação, e isso nos ganha o coração, mas não o suficiente para ficar mais acima na seleção. E convenhamos, a real estrela do filme é Shirley MacLaine.


4º Lugar: Julia Roberts, Pretty Woman (''Uma Linda Mulher'')

É engraçado pensar que o papel que tornou Roberts uma estrela, quase não chega a ela. Jennifer Connelly e Winona Ryder eram ''muito jovens'', Daryl Hannah e Michelle Pfeiffer acharam que o roteiro não era bom pra uma mulher, enquanto Valeria Golino disse que uma prostituta com o sotaque italiano não iria cair bem. Para azar de todas, e sorte nossa, o papel acabou indo para uma novata de 21 anos que criou tanta carisma e química com o seu protagonista masculino, que o roteirista alterou o final do filme para Vivian ser feliz.

E é sobre isso a performance de Julia, uma explosão de ''star quality'' aliada a muito carisma em tela, é algo que remete a Audrey Hepburn em ''A Princesa e o Plebeu'', daquele momento que a câmera olha pra um ator e simplesmente o ama. Roberts é a alma viva de seu filme, e se entrega totalmente. Ao fazer isso, ela nos conquista. Roberts é uma prostituta com coração de ouro. É quase como se a mesma pegasse um famoso e, talvez, até já cansado arquétipo e trouxesse a vida uma criação bem singular e porque não dizer original de algo que conhecemos tão bem.


3º Lugar: Joanne Woodward, Mr. & Mrs. Bridge (''Cenas de uma Família'')

Agora chegamos no momento ''qualquer uma que vencer, merece'' da seleção para mim. É quase triste que a estrela de Woodward não brilhe tanto hoje quanto algumas de suas contemporâneas. Atual vencedora de Melhor Atriz mais velha ainda viva (no auge dos seus 90 anos!), se muitos cinéfilos não conhecem seu talento, o grande público menos ainda. 

Porém, o que Woodward entrega nesse filme é uma aula de sutileza, ela trabalha India de forma contida, mas sempre alerta. Ela é uma mulher em outro momento da história, precisa aceitar e entender muita coisa, mas é a partir da leitura tão silenciosa de Joanne que conseguimos nos tocar com tudo que atinge aquela família. A rigidez de Paul Newman (seu marido na vida real) bate de frente com sua leveza e se completam. É uma atuação muito rica, que dialoga demais com o tipo de cinema ali impresso. Coisa de gente grande.


2º Lugar: Anjelica Huston, The Grifters (''Os Imorais'')

Stephen Frears tinha acabado de fazer ‘’Ligações Perigosas’’ quando decidiu dirigir esse filme, então o cinismo, veneno e podridão que haviam sido injetados em seu filme anterior, ainda estão bem presentes aqui. E se lá tínhamos uma Glenn Close superlativa, aqui Anjelica Huston não está menos que excelente. 

Um papel que só não foi para Cher porque a atriz estava custando caro após ''Feitiço da Lua'' e seu Oscar,  Lilly é a mãe do protagonista, mas se engana quem acha que o que ela faz é motivado por instinto materno, ela é uma sobrevivente em um mundo horroroso, e ela entende muito bem que a única forma de continuar ali é fazendo tudo que for necessário, mesmo que isso signifique se aproveitar do próprio filho. E quem melhor para fazer uma megera platinada do que Huston? Isso mesmo, ninguém. 

Frears tinha medo que o visual de Anjelica remetesse muito a uma ''lady'' e Huston estava apavorada pela cena da ''laranja''. Mal sabiam ambos que tudo iria se completar. Para remeter uma elegância necessária, Huston utiliza de atributos físicos como seu rosto vilanesco ou seu corpo imponente, mas indo além ela consegue dar dimensão a um personagem que poderia ser um simples arquétipo. Já a temida cena da laranja, acabou sendo a mais falada do filme, não só pela forma explícita que as coisas são levadas, mas pelo terror que Huston coloca na cena. Suas falas são calculadas, seu jeito é premeditado. É uma excelente e consciente performance de uma atriz em fina forma de um personagem que ela, claramente, conhece (ou viria a conhecer) de dentro para fora.


1º Lugar: Kathy Bates, Misery (''Louca Obsessão'')

Por mais que alguns aspectos de Huston me chamem até mais atenção, fica impossível não deixar Kathy Bates em #1 por uma atuação que, para mim, é a definição de marcante. Tendo visto o longa anos atrás, ainda lembro da forma quase dócil com que a atriz se apresenta ao público. Você entende o quanto ela é uma pessoa boa e está apenas fazendo seu papel. É uma forma de Bates dar a mão ao público, se tivesse outra roupa, ela poderia ser quase uma freira. 

Porém, vem a virada da personagem e o trabalho de Bates toma uma outra dimensão. Aquela mulher, tão comum, se transforma em uma pessoa absolutamente cega e que fará de tudo para provar que seu ponto é o correto, nisso Kathy molda totalmente sua linguagem corporal, assim como sua voz e, especialmente, seu rosto. É algo muito calcado no trabalho físico, algo muito difícil de ser registrado em vídeo, mas nessa específica performance ficou impossível de ignorar e não amar, até porque a performance de Kathy não é só isso. É um show de atuação que não só é muito diferente do que a categoria premia, como se torna quase impossível de esquecer.

P O R É M,

E se eu pudesse substituir indicadas daquele ano por escolhas pessoais?


Mia Farrow, Alice (''Simplesmente Alice'')

É quase impossível pensar que Mia nunca foi indicada ao Oscar, a protagonista de clássicos do cinema como ''O Bebê de Rosemary'' e ''A Rosa Púrpura do Cairo'' acabava por sempre bater na trave, mas nunca chegar lá. Em ''Alice'', Mia tinha tudo para finalmente acontecer. Foi indicada ao Globo de Ouro, venceu o então prestigiado ''National Board of Review'', chegava a 25 anos de carreira e o filme era, literalmente, feito para ela. Nos 45 do segundo tempo, não houve campanha (e ela fez muita!) que sustentasse Farrow contra uma outra indicação para Meryl Streep.

O que é uma pena, pois o charme, a inteligência e sagacidade da atriz nesse filme é uma coisa de louco. Ela trabalha a persona do Allen de forma muito astuta, sempre muito ligada a atmosfera que o filme a joga. Ela faz drama, comédia, coisas mais comedidas e até uma cena explosiva, e tudo com muita entrega. Servindo tudo e mais um pouco nessa, considerável, viagem de ácido de filme, é até triste que tenha sido deixada de lado por mais uma indicação (não tão memorável) de La Streep.


2 comentários:

  1. Eu acho curioso que na maioria das listas com a loirinha Streep, você sempre a deixa por último. Acho que as únicas em que elas não esteve lá são as de 1981 e a de 2011.

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    1. haha, não é perseguição, em 2008 e 1988 ela tb nao ta em ultimo

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