Coesão é a alma
de qualquer trabalho e na música isso não é diferente. Todos os grandes álbuns
da indústria são coerentes em conceito e execução, sempre abordando temas e
trabalho de produção que permeiem o disco do inicio ao fim, qualquer que seja a
conexão entre suas faixas. O novo álbum da cantora Beyoncé, ‘’Lemonade’’, não foge da regra e, para
quem tinha dúvida, sedimenta a americana como a melhor artista de grande apelo
popular do momento.
O
trabalho temático de Beyoncé em um álbum não é novidade. A texana já abordou o
amor em diversas formas, como em seu álbum 4 (2011) e explorou ao máximo sua sexualidade em forma de música, em seu primeiro álbum visual,
intitulado Beyoncé (2013). Já em Lemonade, seu sexto trabalho de estúdio, vemos uma artista que se permitiu ser “espiada”
e comentada num dos relacionamentos mais famosos da indústria, o casamento com o
rapper Jay-Z. O que se percebe nas doze faixas que compõe o trabalho da cantora
é a jornada sobre os estágios do que, aparentemente, foi um momento
bastante difícil de seu relacionamento: uma possível traição.
Na primeira
faixa do álbum, ‘’Pray You Catch Me’’, vemos
o que deve ser o inicio da suspeita do romance extraconjugal de seu marido, onde
a cantora começa a expor seus sentimentos.
Em seguida a cantora ‘sobe o tom’, com ‘’Hold Up’’, numa pegada entre o funk e reggae, onde a traição está
escancarada e Beyoncé se vê numa situação que aflige a todos, onde a canção
diz: ‘’O que é pior, parecer louco ou
ciumento?’’. O engraçado é o fato que a faixa segue uma vibe “midtempo”,
mesmo falando sobre alguém que está com raiva.
Quando uma
canção começa com ‘’Quem p***a você pensa
que é? Você não está casado com uma vadia qualquer’’, termina com ‘’Se você tentar essa me**a de novo, você irá
perder sua esposa’’ , utilizando o rock de Led Zeppelin como base, a
guitarra do sempre ótimo Jack White e vocais, claramente agressivos, você sabe
que algo muito forte aconteceu, e isso fica explicito em ‘’Don’t Hurt Yourself’’, um dos destaques do cd.
Qual a
primeira fase que você passa após terminar com alguém? Tentar esquecê-la,
certo? Em “Sorry”, que não poupa
palavrões, atitude no vocal e, as já icônicas frases: ‘’Dedo do meio pra cima, acene pra ele e diga, garoto, tchau’’ e ‘’É melhor ele ligar pra Becky de cabelo
bom’’, rola um dos maiores acertos musicais da obra, onde Beyoncé utiliza o
trap pra fazer uma canção sobre término e superação do ca***ho.
Beyoncé tem um
grande ego e canta sobre empoderamento feminino desde que surgiu, sendo assim a
presença de ‘’6 Inch’’ é esperada e
muito bem vinda. A canção é mistura de R&B/Soul/Funk e ainda utiliza dos
vocais do cantor The Weeknd para dar a
pitada sexy que a música pede. Porém, a utilização de salto alto como forma de
empoderar a mulher é algo contestável e controverso, já que pode ser
considerado como algo opressor para as mulheres em geral.
‘’Daddy
Lessons’’ é a meu ver uma das três melhores do álbum simplesmente porque é
algo quase inacreditável vindo da rainha do R&B contemporâneo: trata-se de uma
música puramente country/americana, em um nível que você chega a imaginar como
foi a infância da cantora num Texas, hoje tão distante da imagem que ela
transparece. Nesta faixa a cantora expõe o relacionamento com o pai, que
organizou toda a sua carreira desde sempre, inclusive até uns anos atrás. Além
disso, é perceptível a afinidade da texana com o principal gênero de sua terra
natal. Já ‘’Love Drought’’, que talvez
tenha a melhor produção de todo o cd, com uma batida que pede pela casa da luz
vermelha mais próxima, acaba soando um pouco menos maravilhosa que as demais,
mas só um pouco.
Impossível
de julgar separadas, as faixas ‘’Sandcastles’’
e ‘’Forward’’ se complementam ao
ponto em que a primeira, uma balada romântica pura e simples, ancorada por
vocais que exprimem uma dor absurda, trata da percepção que a relação foi algo
importante demais para ambos e que talvez, a separação definitiva fosse uma
opção exagerada. Já a segunda, uma curta parceira com James Blake, ouve-se a
cantora falando ‘’É hora de ouvir, é hora
de lutar’’, o que pode se associar com um momento de conciliação. A
situação se vê finalizada em ‘’All
Night’’, uma canção que deixa claro que o amor, mesmo que não como antes,
ainda persiste e durará por muito tempo, quase como a fase final da história
que Beyoncé começou a contar lá na primeira faixa de seu álbum.
As duas
canções mais dissonantes complementam o álbum. ‘’Freedom’’ e ‘’Formation’’,
se vê algo que Beyoncé nem sempre cantou: o orgulho de sua negritude e a
atenção que a justiça racial até hoje pede. A primeira faixa é quase um hino
gospel - claramente a melhor música do cd - onde a cantora clama ‘’Deus me perdoe, eu estive fugindo.... mas me
liberte, deixe eu quebrar minhas correntes’’, numa alusão ao que pode ser
um total posicionamento a tantas coisas horríveis que ainda acontecem aos
afro-americanos no país da ‘’liberdade’’. A faixa conta ainda conta com a
participação do rapper Kendrick Lamar, o maior nome da atualidade quando se
fala em ativismo racial na música. A última faixa, já famosa, é um hino de
empoderamento racial que encerra o álbum de forma efusiva, imperativa e
demonstra a que nível Beyoncé chegou enquanto criadora de cultura e arte.
‘’Lemonade’’ explora temas, aborda
problemas, tem um conceito que reflete a perfeição que já conhecida da artista
e uma execução que beira ao brilhantismo. Tanto é que, falar que é o melhor
álbum de sua carreira ou do ano, é questão apenas de bom senso. O que a história
pode provar é que o álbum será um dos melhores da música contemporânea.
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