Se feito há
uns quatro ou cinco anos, ‘A Garota Dinamarquesa' (The Danish Girl, 2015) não
teria metade da repercussão que está tendo, porém, como foi lançado em um
momento onde a comunidade transexual começa a ganhar cada vez mais voz e brigar
por seus direitos na sociedade moderna, o novo filme do diretor Tom Hooper (O
Discurso do Rei, Os Miseráveis) ganhou visibilidade, fãs, odiadores e algumas
indicações ao Oscar. Entretanto, se enquanto história o filme pode emocionar
alguns, como obra de cinema é tão falho que chega até a ofender.
O longa
retrata o relacionamento do casal Gerda (Alicia Vikander) e Einar Wegener
(Eddie Redmayne), assim como a autodescoberta de Einar em uma mulher
transexual, Lili - que viria a ser uma das primeiras pessoas a realizar uma
cirurgia de redesignação sexual. A ideia é nobre e a visibilidade da causa
transexual até pode se favorecer com a existência do filme, mas tudo é tão
raso, plástico e banal, que fica difícil se envolver completamente na mensagem
do filme.
O roteiro,
talvez por falta de uma ótica melhor, jamais vai além da superfície e
estereótipo sobre quem é Lili e nunca deixa Gerda sair do papel de esposa
sofredora, mesmo que dê ares de descolada para a época em que vive. Em
associação a isso, temos uma montagem que sofre, lá pelo meio do filme, com uma
sucessão de cenas feitas para fazer o espectador chorar, sem qualquer sentido
de ordem do trabalho que está sendo
feito.
Todos esses
problemas, lógico, são incrementados com a direção de Tom Hooper, que é
altamente cheia de tiques inúteis com a câmera, incluindo enquadramentos que
não fazem sentido ou uma inclinação ao sentimentalismo
da pior espécie. Existem momentos que
até a belíssima direção de arte e as locações das cidades mais encantadores da Europa
sofrem na mão do diretor, que sufoca a tela com close-ups que vão do
desnecessário ao constrangedor, demonstrando um apuro visual limitado e quase
brega.
A atuação de
Eddie Redmayne, atual vencedor do Oscar por A
Teoria de Tudo e novamente indicado pelo trabalho feito aqui, acaba sendo a
cereja ruim do bolo solado, sendo uma mistura entre correto, ruim e horroroso.
Redmayne, mais uma vez, trabalha com um personagem que precisa de muletas
cênicas para se concretizar, mas, sendo um ator tão vaidoso, ele escolhe as
piores opções para retratar sua ‘’feminilidade’’. Se enquanto Einar o ator até
se sustenta, quando Lili precisa vir à tona, a atuação se torna afetadíssima,
caricata e toda calcada em tiques como: uma mão quebrada pro lado, um pescoço
torto e uma voz sussurrante até quando o personagem fala com alguém a
distância.
Porém, nessa
imensidão de erros, existe uma luz sueca que atende pelo nome de Alicia
Vikander, aqui vale ressaltar também os lindos figurinos de Paco Delgado. A
atriz, que é tão protagonista quando Eddie, e está sendo revelada agora para o
mundo, toma o filme para si toda vez que aparece em tela, apresentando uma
vivacidade e brilho que deixa qualquer ator ofuscado. Além disso, quando ela precisa dividir a cena
com Redmayne chega a ser latente a diferença de naturalidade entre as duas
atuações. Mesmo com um papel que em determinado momento se reduz a sofrer pelas
mudanças drásticas de sua vida e casamento, Vikander sempre se agarra ao fiapo
de roteiro e dá toda a dignidade que pode à Gerda. E se ela realmente é a
garota dinamarquesa a que o filme se refere, é de se agradecer, porque todo e
qualquer sentimento de conexão com o filme se deve a ela, e somente ela.
O filme pode
até ser bem intencionado, mas o produto final não chega nem perto da excitação
que poderia ter sido caso bons profissionais estivessem por trás - e em frente
- às câmeras. Como de filme ruim bem
intencionado o mundo de Hollywood está cheio, só desejo que no futuro existam
produções que realmente dignifiquem a causa transexual, que tanto precisa de
visibilidade, porque, infelizmente, ‘A
Garota Dinamarquesa’ foi apenas mais um erro no cis-tema.
Uma
sequência: O primeiro contato de Einar com o vestido, enquanto pousa para
Gerda, onde ainda havia um vislumbre de que o filme poderia ter mais que a
dimensão de um pires para com seus personagens.
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